Publicação dos autos e Conclusão da causa (nas causas de nulidade de matrimônio)

Alexandre Henrique Gruszynski

Nota preliminar: Este texto é o Roteiro para a aula correspondente no Curso de Aperfeiçoamento (pós-graduação lato sensu) em Processo Canônico de Nulidade de Matrimônio, realizado pela Faculdade de Direito da PUCRS em 2001-2003.  

Terminada a coleta ou recepção das provas passa-se, no processo, à chamada publicação do processo, ou melhor, publicação dos autos.

O Juiz, de acordo com o Cân. 1598, deve, na oportunidade respectiva, e mediante um decreto, abrir vista dos autos às partes e a seus advogados.

Por isso, é óbvio que tal decreto deve ser intimado a cada parte, pessoalmente se não tiver procurador, na pessoa do procurador se o tiver. Ou do curador se for o caso. E deve ser intimado também a cada um dos advogados intervenientes no processo. Nas causas matrimoniais cumpre não esquecer o Defensor do Vínculo e, eventualmente, o Promotor de Justiça. Essa vista é dada na Secretaria (ou Chancelaria, como diz o Código) do Tribunal.

A publicação dos autos deve, pois, ser entendida nesse sentido técnico, de vista dos autos às partes. Não se trata de uma publicação ou publicidade erga omnes, mas apenas aos participantes do processo.

E não deixa de ser interessante que o Código diga vista daqueles autos que ainda não conhecem. É claro que os advogados das partes, commo nas causas de nulidade de matrimônio têm acesso assegurado aos autos a qualquer momento (Cân. 1678,  § 1, n° 2°, podem até já os conhecer por completo. Claro também que as partes, por suposto, conhecem os atos que elas próprias praticaram. A ressalva legal parece um pouco impertinente.

Entenda-se também que, quando se refere às partes, estas terão vista dos autos através de seus procuradores, se os tiverem constituído. Não se deve intimar uma parte pessoalmente se ela tem procurador.

Cumpre aqui alertar para uma delonga que alguns Juízes têm imposto ao processo, seguramente por tradição: continuam fazendo o que a legislação anterior ao Código vigente previa, mas que este aboliu. Trata-se do seguinte: O art. 175, § 1, da Instrução Provida Mater[1] previa que a comunicação dos autos «entre» as partes deveria ser feita uma vez bem examinadas pelo Defensor do Vínculo, pelo Juiz Instrutor e pelo Presidente as provas aduzidas por um lado e por outro. Era uma norma tipicamente resultante do papel privilegiado que, no regime da legislação passada, se dava ao Defensor do Vínculo, papel quase superior ao do Juiz. Reduzidos pelo novo Código os privilégios do Custos Vinculi, agora em princípio equiparado às partes, coerentemente o Defensor do Vínculo não vai mais ser ouvido antes das partes: o momento de ele pronunciar-se sobre se há, ou não, mais provas a serem apresentadas ou colhidas, é o mesmo momento em que a parte autora e a parte demandada poderão ou deverão fazê-lo: após a chamada «publicação dos autos» a que se refere o Cân. 1598. O Defensor do Vínculo não tem de ser chamado para dar parecer sobre se acha, ou não, que os autos podem ser publicados. Acesso aos autos, de resto, o Defensor do Vínculo tem a qualquer momento, como os Advogados das partes (Cân. 1677, § 1, n° 2°).

Há um autor[2], entretanto, que escreve que é necessário esse prévio parecer do Defensor do Vínculo, e até dá um modelo de Decreto que abre vista prévia ao Defensor do Vínculo, outro modelo para o Parecer e um terceiro para o Juiz cumprir o Cân. 1598, § 1, sendo que nesse terceiro se faz expressa referência à manifestação anterior do Defensor do Vínculo. Mas o autor, que coloca essa afirmação em Nota, não indica para ela qualquer fundamento legal. Como diz o adágio: Quod gratis affirmatur, gratis negatur.

A importância de que se dá a essa vista dos autos às partes é tão grande, para que possam exercer seu direito de defesa (que naturalmente compreende o direito de defesa de seu ponto de vista, que pode ser o de acusar), que o Código comina expressa e especificamente com nulidade a falta do Juiz em permiti-la. A sentença que for dada sem que se tenha observado essa abertura de vista dos autos será nula.

Há quem diga que será nula por cerceamento de defesa, de conformidade com o Cân. 1620, n° 7° [3]; há quem prove que se trata de uma nulidade independente do direito de defesa, porque mesmo que este direito de defesa haja sido plenamente assegurado por outros meios, haverá nulidade por inobservância da publicação dos autos.[4]

Consequentemente a essa última posição, a simples falta de publicação, desde que tenha sido garantido o direito de defesa, levaria a uma nuidade sanável da sentença, porque mero desrespeito a uma formalidade, já a nulidade por violação do direito de defesa levaria a uma nulidade insanável (Cân. 1620, 2°; Cân. 1622, 5°).

No decreto que determina a chamada publicação dos autos, ou seja, abre vista dos autos, o Juiz deve determinar o prazo pelo qual as partes (e os seus Advogados, o Defensor do Vínculo, etc.) poderão exercer tal direito. E isso porque, como se vê do mesmo Cân. 1598, dentro desse prazo as partes poderão, se considerarem incompletas ou insuficientes as provas, propor outras ao Juiz, que entretanto, como se vê do § 2, não está obrigado a permitir a sua apresentação ou coleta; é claro que só indeferirá o pedido se julgar a prova proposta  impertinente (no sentido técnico dessa palavra), ou desnecessária, ou, quem sabe, meramente protelatória do desfecho do processo.

Quanto à duração do prazo, a ser fixada pelo Juiz,  tenha-se em conta que não deve ser muito breve, para que as partes e Advogados (etc.) possam realmente examinar os autos, que às vezes não são só volumosos, mas, ainda por cima, mal organizados. Tenha-se em conta, também, que são no mínimo três pessoas que devem examinar os mesmos autos, mas esse número pode ser bem maior, principalmente se a parte tem mais de um Advogado (Procurador só pode ter um).

Aliás, visando a facilitar o exame dos autos, o próprio Cân. 1598, § 1, permite que se dê, aos Advogados que o pedirem, cópia dos mesmos (é uma autorização da lei ao Juiz, não um direito do Advogado; mas aqui não se faz restrição quanto às peças: podem ser os autos inteiros; não só as peças que já antes não foram conhecidas). Não se pode dar cópia, porém, à própria parte ou ao seu Procurador. Essa disposição, integrante do § 1, é criticada por algum autor. Na lesislação anterior se podia dar cópia também às partes (portanto também aos seus procuradores).  O fundamento da presente restrição seria evitar que a parte, dispondo de cópia do registro de um depoimento ou de um documento, viesse a utilizar essa cópia para intentar, na Justiça Estatal, um procedimento civil ou penal; no Advogado seria possível confiar que não faria isso. Ora, parece que a intenção teria sido boa, mas ineficaz a medida legislativa: se a parte chega a saber o que foi dito ou escrito, ou pelo menos suspeita, pode ingresssar no juízo estatal e pedir a requisição judicial do documento (o registro do depoimento seria, para tal efeito, um documento) consubstanciador da violação. E o Tribunal Eclesiástico não poderá negar o atendimento à requisição, desde que feita segundo o figurino legal do correspondente Estado.

Retornando porém à questão do pedido de novas provas, deve-se ter em conta que, se novas provas forem admitidas, concluída essa coleta ou produção suplementar deverá novamente ser dada vista dos autos às partes, etc.; claro que do que foi acrescido após a abertura de vista anterior. Como já disse antes, não me parece que se deva, na prática, como Juiz ou Notário, ser restritivo sob esse aspecto, de só dar vista do que há de novo. Por que negar vista, agora, do que já havia sido visto anteriormente? Uma consideração do conjunto parece muito mais justa.

E se alguma das partes, incluso o Defensor do Vínculo, pedir complementação de provas e o Juiz indeferir?  Pode a parte instar junto ao próprio Juiz, de acordo com o Cân. 1527, § 2. Como a questão então deve ser definida (diante do pedido de reconsideração) expeditissime,  não cabe apelação do indeferimento do pedido de reconsideração (Cân. 1629, n° 5°). Poderá a questão ser discutida mais tarde no grau superior de Juízo.

Não está excluída, também, a possibilidade de o próprio Juiz, após esgotado o prazo para vista dos autos pelas partes e pelo Defensor do Vínculo, decidir ex officio por uma complementação da prova. O Cân. 1452 lhe assegura proceder ex officio nas causas referentes ao bem público e à «salus animarum», e especificamente suprir a negligência das partes na apresentação de provas  …  sempre que o julgar necessário para evitar uma sentença gravemente injusta, …

Apenas, a título de exemplo: A causa, de nulidade de matrimônio, está fundada também no Cân. 1095. Não foi realizada perícia. A parte autora, publicados os autos, dá-se por satisfeita com a prova produzida. Pode o Juiz determinar a realização de perícia, observadas as regras específicas da lei sobre esse tipo de prova.

Há, entretanto, um detalhe, eventualmente complicador, que consta do § 1 do Cân. 1588 em exame.  Tratando-se de causa na qual esteja em jogo bem público (como é o caso das causas de nulidade matrimonial), o Juiz pode, para evitar gravíssimos perigos, decretar que algum ato não seja manifestado a ninguém, tendo-se porém o cuidado de que permaneça íntegro o direito de defesa.

(Por que não pode fazer isso em outras causas, as que não tocam ao bem público?)

Um desses gravíssimos perigos pode ser o de vir a ser proposta uma ação penal ou civil por crime contra a honra, ou por revelação de segredo, ou quem sabe por algum outro fundamento. Outro perigo poderia ser alguma ameaça de morte, ou de outro dano físico ou moral, a alguma testemunha, ou mesmo alguma das partes, em função de depoimento ou documento.

O Juiz, como se pode facilmente compreender, terá de ser extremamente cuidadoso se for utilizar essa faculdade que a lei lhe concede, porque haverá casos em que será muito difícil conciliar a integridade do ius defensionis com a ordem de esconder alguma peça dos autos, atendendo-se também a que tal peça mantida em segredo não poderá (sob pena de não ficar verdadeiramente resguardado o direito de defesa) ser utilizada para formar a convicção do Juiz ao dar a sentença (ou o voto no Colegiado).

De qualquer modo, tratar-se-á de algum ato, ou certo ato; não precisa ser um único, mas também não pode ser uma parte significativa do processo, e o perigo ou risco que o Juiz prudentemente vê deve ser um perigo ou risco real e concreto, não uma fabulação.

Ligada a esse assunto está a disposição apresentada pelo Código no Cân. 1604,  1, que diz: Proíbem-se, de modo absoluto, informações das partes, dos advogados ou mesmo de outros, dadas ao Juiz, que permaneçam fora dos autos da causa.

Essa regra encontra-se na parte referente à discussão da causa, mas guarda certa conexão com o que deve ser publicado, ao término da fase probatória.

Se a parte, pessoalmente ou por procurador, ou o seu advogado, ou um terceiro benévolo (benévolo digo porque pensa que contribuirá para a solução correta da causa…) entrega algum documento, ou outro qualquer instrumento informativo (que até poderia ser probatório) ao Juiz, deverá ficar claro se é para integrar o processo ou não. Se se trata de algum outro, como diz o Código, aliás, só poderá ser incluído no processo se ele for admitido como terceiro interessado. Se é proveniente de alguma das partes ou de seus Procuradores ou Advogados, ou o Juiz manda integrar nos autos (fazendo tomar por termo a entrega, se for o caso, dependendo do objeto entregue), caso a apresentação ou entrega seja legalmente oportuna (dentro do período probatório, por exemplo), ou determina que fique fora dos autos, e nesse caso não poderá levar em conta tal elemento para formar a sua convicção para a sentença.

Voltaremos ao mesmo Cân. 1604, § 1, porque ele também tem aplicação (e nesse sentido está bem colocado) em relação à discussão da causa.

CONCLUSÃO DA CAUSA

Publicados os autos e passado o prazo dado às partes para requererem complementação da prova sem que nada haja sido requerido, ou se as partes declararem que não têm mais prova a apresentar, ou ainda se houver sido definitivamente negada a apresentação de mais provas, porque o Juiz declare que tem a causa como suficientemente instruída[5], ou ainda que tenha transcorrido o prazo que que o Juiz haja fixado para a fase probatória (Cf. Cân. 1516), esgota-se tudo o que se refere à produção de provas e chega-se à conclusio in causa, conclusão da causa.

Qualquer que tenha sido a razão pela qual terminou a fase probatória, o Juiz deve encerrar tal fase emitindo o correspondente decreto.

A emissão desse decreto:

– faz precluir a possibilidade de apresentação de novas provas;

– abre a fase de discussão da causa, a fase discussória.

Continua em aberto, porém, a possibilidade de apresentar-se, se for o caso, uma exceção de incompetência absoluta, bem como de qualquer vício que possa afetar a validade da sentença a ser dada.

E também a preclusão em relação a novas provas não é absoluta, pois o Cân. seguinte, 1600, ainda deixa uma abertura.

Note-se que conclusio in causa não é ainda a conclusão da instância; a instância terminará (normalmente) com a sentença; a conclusio in causa é o término da fase instrutória ou probatória.  E essa fase probatória, excepcionalmente pode ser reaberta, se o Juiz assim o entender, observados certos requisitos ou motivos.

Assim, de acordo com o § 1 do Cân. 1600, que acabei de mencionar:

– nas causas que dizem respeito exclusivamente ao interesse privado (que não é o caso das de nulidade de matrimônio), somente se todas as partes concordam é que o Juiz pode reabrir a fase das provas;

– nas outras, desde que  ① haja uma grave razão, ② as partes tenham sido ouvidas (não necessariamente concordado) e ③ se tenha afastado qualquer risco de fraude ou suborno;

– num ou noutro desses tipos de causas, sempre que seja provável que, se não for admitida uma nova prova, se venha a ter uma sentença injusta por um dos seguintes motivos: ① que a sentença se funde em provas depois evidenciadas como falsas, de tal modo que em ditas provas a parte dispositiva d sentença não tenha fundamento;  ② que posteriormente tenham vindo à luz documentos que demonstrem, fora de qualquer dúvida, e existência de fatos novos que exijam uma decisão contrária;   ③ a sentença tenha sido editada por dolo de uma parte em prejuízo da outra.

Independentemente dessas limitações, o § 2 do Cân. 1600 permite que o Juiz sempre possa determinar ou permitir a apresentação de algum documento que o interessado, sem culpa sua, não tenha podido apresentar antes (por exemplo, porque ele estava doente, ou porque a repartição pública estatal ou eclesial demorou para fornecer o documento).

Quem deseje apresentar novas provas deve requerê-lo ao Juiz (Presidente do Colegiado nas causas matrimoniais), demonstrando, na petição, que ocorrem os requisitos mencionados, exigidos pela lei. O Juiz deve ouvir a outra parte (não esquecer o Defensor do Vínculo e, eventualmente, o Promotor de Justiça) e então emitir o decreto de admissão ou de rejeição de reabertura da fase probatória.

O eventual recurso contra tal decisão do Juiz, ao que parece (ao menos por analogia com o Cân. 1505, § 4) será para o Colegiado.

É claro que, sendo colhidas ou aceitas novas provas, deve ocorrer nova publicação do processo, segundo o que prescreve o Cân. 1598, sob pena de nulidade, como visto.

Decretada a conclusio in causa, é bom lembrar, desaparece a possibilidade de intervenção de terceiro (Cân. 1596, § 2).

E o Juiz deve, então, fixar um prazo adequado (congruum) para a apresentação das defesas e alegações (ou observações), como determina o Cân. 1601. Será o momento inicial da fase discussória.


[1] Provida Mater Ecclesia,  de 15 de agosto de 1936; AAS 28, pág. 313 e ss.

[2] Cf. PINTO, Pio Vito. I Processi  nel Codice di Diritto Canonico, LEV, 1993, p. 366, nt. 526.

[3] Cf. GARCÍA FAÍLDE, J. J. Nuevo Derecho Procesal Canónico.  Salamanca, 1992, 2ª. ed., pág. 242

[4] GULLO, in AA.VV. Il Processo Matrimoniale Canónico. LEV, 1988, p. 290/291

[5] Parece-me uma declaração perigosa, pois provavelmente será entendida como um pré-julgamento pela procedência do pedido.

DEDICAÇÃO DA CATEDRAL

(Palestra preparatória para a celebração do dia 12 de agosto, na Catedral de Porto Alegre)

Alexandre Henrique Gruszynski

No dia 12 de agosto, cada ano, é comemorada a Dedicação de nossa Catedral. A data seria 10 de agosto, mas para não coincidir com a Festa de São Lourenço, diácono, foi transferida estavelmente para dia 12.

Trata-se de relembrar, cada ano, o dia em que solenemente a construção foi dedicada ao culto.

A dedicação de um templo, como a comemoramos em relação à nossa Catedral, na verdade diz respeito a três casas, como dizia um monge cartuxo (Lanspergius) na primeira metade do século XVI. Três casas.

A primeira, o santuário material, consiste em uma construção reservada ao culto divino e à realização de outros atos que dizem respeito aos bens necessários à nossa salvação. É certo que se pode e se deve orar em qualquer lugar; não há lugar onde não se possa rezar, como diz Evangelho. Mas é muito conveniente que tenhamos um local consagrado a Deus no qual, como cristãos que formamos comunidade, possamos nos reunir, ouvir a sua palavra, louvá-lo e a ele orar juntos, e assim obter mais facilmente o que pedimos, como também se lê no Evangelho: Se dois ou três dentre vós se põem de acordo para pedir alguma coisa, haverão de obtê-la de meu Pai.[1]

A segunda casa de Deus é o povo, a comunidade santa, que no templo realiza sua unidade, guiada, instruída e alimentada por um só pastor ou bispo. É a morada espiritual, da qual o templo, a igreja material, de pedra (ou de madeira…) é o sinal. O Cristo construiu para ele esse templo, a comunidade cristã, um templo espiritual; ele reuniu esse povo na unidade e o consagrou ao adotar todas as almas que deviam ser salvas e santificá-las. Essa morada é formada pelos escolhidos por Deus, passados, presentes e futuros, congregados na unidade da fé e da caridade nesta igreja una, filha da Igreja Universal ou Católica, e que se torna assim uma só com a Igreja Universal. Cada Igreja Diocesana ou Igreja Particular forma, com todas as outras, a única Igreja Universal, que é como que a Mãe de todas as Igrejas.

Ao celebrarmos a dedicação de nossa igreja e, cada ano, o seu aniversário, não mais fazemos que, em ação de graças, no meio de hinos e de louvores, nos lembrar da bondade que Deus manifestou ao chamar este pequeno rebanho para que o conhecesse. Concedeu-nos a graça não somente de nele crermos, mas também de o amarmos, de nos tornarmos seu povo e seu rebanho[2], guardarmos seus mandamentos, trabalharmos e sofrermos por amor a ele, e de nos alegrarmos com ele.  

A terceira casa de Deus é cada alma santa, devotada a Deus, consagrada a ele pelo batismo, tornada templo do Espírito Santo e morada de Deus. Quando celebramos a dedicação dessa terceira casa, que se realizou em nós pelo batismo e pela confirmação, lembramo-nos do favor que de Deus recebemos: que ele nos escolheu, a cada um de nós, para em nós habitar mediante a sua graça.

Cristo, o Senhor, quis habitar em nós, como que para dar forma a sua construção: Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros.[3] É um mandamento que eu vos dou. E esta casa, como o mesmo Jesus predisse e prometeu, está edificada no mundo inteiro, espalhada pelo mundo inteiro. Cantar é próprio de quem ama, como diz Santo Agostinho. Cantai ao Senhor um canto novo, diz o Salmo. Um canto novo correspondente ao mandamento novo, o do amor. O que nos permite cantar celebrando a dedicação do templo material é o amor, é o fervor do santo amor. O que vemos realizado fisicamente nas paredes do templo de pedra deve realizar-se espiritualmente com as almas; o que vemos aqui realizado com as pedras e os tijolos é o que deve ser realizado em nossos seres inteiros, com a graça de Deus. 

*   *    *

Esta construção que nos abriga é uma casa de oração. Não uma casa para abrigar imagens ou estátuas de deuses, como o faziam gregos e romanos, mas para abrigar um povo que aceitou o ensinamento do Cristo, cujos membros foram consagrados pelo Batismo e pela Unção com o Crisma. 

A Igreja que realmente importa termos construída é a Igreja formada por homens que responderam ao chamado do Cristo para ouvir a sua Palavra e vivê-la, para formar um templo de pedras vivas, um povo que o Pai confia ao Filho, um povo que segue esse Filho. 

A igreja de pedras, de tijolos e de concreto é, entretanto, um sinal, uma referência da presença evangélica no meio da cidade, no meio dos cidadãos: «aqui se reúne um povo de discípulos do Cristo».   

A casa de Deus é casa de oração à qual são convidados todos os povos. Mas para integrar-se na sua família é preciso tornar-se justo, consagrar-se pelo sepultamento do velho homem, com o renascimento da água salvadora. Nessa casa podemos cantar, como esperamos poder cantar por toda a vida sem fim, ao participarmos da Ceia das núpcias do Cordeiro[4]: Como é bom estar na tua casa, ó Senhor: comer do teu pão e beber do teu vinho[5].


[1] Mateus, 18, 19

[2] Cf. Sl 99

[3] João, 13, 34 ,     Apocalipse, 19, 9 ,    Cf. Eclesiastes 9, 7

[4] Apocalipse, 19, 9

[5] Eclesiastes 9, 7

REVELIA, CONTUMÁCIA, AUSÊNCIA

–  O INSTITUTO PROCESSUAL CANÔNICO DA AUSÊNCIA  –

Alexandre Henrique Gruszynski*

Revelia, contumácia e ausência são três institutos jurídicos processuais que guardam entre si bastante semelhança. Apesar de seus profundos traços comuns, constituem, todavia, figuras diferentes, adotadas por um ou outro sistema jurídico.

O objetivo do presente escrito é apresentar a disciplina jurídica da ausência, como tratada no Direito Canônico vigente. No pressuposto, porém, de que o leitor conheça mais o Direito Processual Brasileiro, o assunto pode ser introduzido pela consideração do instituto denominado revelia, presente nesse sistema.

Como no Direito Canônico imediatamente anterior ao ora vigente, ou seja o codificado em 1917, o instituto correspondente era não só denominado, mas também tratado, como contumácia, cabe expor como esta, a contumácia, era disciplinada, para só depois passar-se à figura da ausência. 

O sistema brasileiro – a revelia

No Título VIII do vigente Código de Processo Civil Brasileiro (Lei nº 5869, de 11 de janeiro de 1973), sob a epígrafe «Do Procedimento Ordinário», encontra-se o Capítulo III, intitulado «Da Revelia», composto pelos artigos 319 a 322, que tratam desse instituto no processo contencioso no Brasil.

Esse Capítulo III vem após os capítulos intitulados «Da Petição Inicial» e «Da Resposta do Réu».

Ocorre desde logo mencionar que, no Processo Civil Brasileiro, continua a utilizar-se a expressão «réu» para designar a parte que no vigente Direito Processual Canônico, tanto Latino como Oriental, é denominada, no latim original dos Códigos, de «pars conventa» ou «conventus».

Em português, a parte adversa ao autor é chamada, no Direito Canônico, de «demandado» ou «parte demandada», exatamente as mesmas expressões utilizadas pela língua castelhana; em inglês, é denominada «defendant»; em francês, «défendeur»; em italiano, «convenuto»; em polonês, «strona pozwana», que literalmente quer dizer «parte convocada». A expressão latina «reus», a que corresponde o português «réu», é reservada no Direito Canônico vigente para designar a pessoa judicialmente acusada de ter perpetrado algum delito.

O Código de Processo Civil Brasileiro não define o que seja «revelia», pressupõe o conhecimento do sentido da expressão, que é o de «omissão do réu em dar resposta ao autor mediante contestação».

Esse substantivo «revelia», na verdade, provém do adjetivo «revel», cuja etimologia é o adjetivo latino rebellis, rebelle, que significa rebelde, ou seja aquele que se rebela, que desobedece. Revelia, assim, designa o estado ou a situação daquele que é revel, isto é, rebelde, porque desobedece ao chamado ou citação do juiz, não exibindo a contestação. De Plácido e Silva, no venerando Vocabulário Jurídico, escreve que A revelia é, também, chamada de contumácia, pois que, rebeldia que é, traz o sentido de desobediência deliberada ou intencional ao mandado do juiz.[1] 

«Contumácia» era o nome dado pelo Código de Direito Canônico de 1917, revogado pelo agora vigente, para designar a desobediência da parte processual às determinações do juiz.

Pois bem, a lei brasileira não define o que seja revelia, mas parte logo para a conseqüência de ficar ela configurada, o que se dá pelo fato de o réu não contestar a ação: reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor (art. 319). Ressalva, porém, que essa conseqüência ou efeito não ocorre em três hipóteses que enuncia a seguir: I – se, havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação; II – se o litígio versar sobre direitos indisponíveis; III – se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público, que a lei considere indispensável à prova do ato (art. 320).

Se os dispositivos do Código de Processo Civil Brasileiro estão bem colocados, no esquema global da Lei, logo após o Capítulo que trata da resposta do réu, porque a revelia é conseqüência da falta de determinado tipo de resposta do réu (a contestação), de outra parte, ao estabelecer desde logo a conseqüência ou efeito da revelia, está o texto legal dispondo sobre o assunto «prova», que é objeto do Capítulo VI do mesmo Título.  Pois, na verdade, o que o art. 319 faz é dispensar do ônus da prova o autor, excepcionando o art. 333, que estabelece que o ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Convém pôr em relevo, também, o que, a par dos de números I e III, determina o item ou inciso II do art. 320, acima transcrito. A ausência de contestação não resultará em se reputarem verdadeiros os fatos alegados pelo autor quando o litígio versar sobre direitos indisponíveis, ou sejam (sem pretender excluir outros, que se poderão acrescer), o direito à vida, o direito à integridade física, o direito à liberdade física e espiritual, o direito à imagem, o direito ao nome e, ao menos até certo ponto, ao status familiar.

Os efeitos ou conseqüências da revelia, no processo civil brasileiro, entretanto, não se limitam à área da prova  e de sua produção. Com efeito, contra o revel correrão os prazos independentemente de intimação, como prevê o art. 322 do Código. Ou seja, configurada a revelia pela falta de contestação do réu à petição inicial do autor, o réu não mais será cientificado de nenhum passo processual. Ademais, ocorrendo a revelia, uma vez que — diante da admissão de que os fatos afirmados pelo autor são verdadeiros —  não haverá nada a ser provado nem em audiência nem de outro modo, o Juiz deverá conhecer do pedido diretamente, proferindo sentença (art. 330, II, combinado com o art. 319).

Apesar de o réu, citado, não haver respondido à inicial mediante contestação, poderá não ter ocorrido, porém, o efeito da revelia (hipóteses previstas no art. 320, acima transcrito), e nesse caso o Juiz mandará que o autor especifique as provas que pretenda produzir na audiência (art. 324).

A revelia, entretanto, não representa uma exclusão definitiva ou irrevogável, do réu, do processo, eis que ele pode no mesmo intervir a qualquer momento, em qualquer fase. Essa admissão do réu revel, entretanto, que é seu direito, não lhe dá a possibilidade de voltar-se atrás no andamento da causa através dos sucessivos atos processuais. O réu revel que vem ao processo recebe-o no estado em que se encontra, como prevê o art. 322,[2] e só participará dos atos que, no curso normal do processo, tiverem lugar daí por diante; não tem direito (ao menos em regra) a que se repita qualquer ato processual para que de tal ato possa participar, nem tem direito a que se pratique qualquer ato processual cuja oportunidade já passou enquanto ele se manteve revel.

Ver-se-á adiante que o Direito Canônico vigente é um pouco mais favorável ao demandado que retorna ao processo.

A revelia do réu resulta da falta de contestação à inicial, como se viu. E é na inicial que consta o pedido do autor e a causa desse pedido. Se a parte autora, pois, pretender alterar o pedido inicial, ou então a causa petendi por ela declarada na inicial, tal alteração não se compreende na revelia, e o réu deverá ser citado para, querendo, apresentar contestação a esse novo pedido ou a essa nova causa de pedir. Igualmente no caso de a parte autora, fora da inicial portanto, solicitar do Juiz uma declaração incidente. Caberá, então, à parte autora, promover nova citação do réu, e este terá assegurado o direito de resposta no mesmo prazo que teria para, citado, responder à petição inicial, ou seja, o de quinze dias. É o que determina o art. 321.[3]

Por conexão lógica, parece oportuno considerar ainda, em relação ao direito brasileiro, um certo paralelismo de efeitos ou conseqüências entre a revelia e a falta de comparecimento de parte à audiência de instrução e julgamento em que deva ser interrogada.  Tanto autor como réu podem pedir que o Juiz determine a presença pessoal da parte ex adverso na audiência de instrução e julgamento, para que seja interrogada sobre o objeto do litígio. Mas o Juiz também pode tomar a iniciativa de tal convocação.[4]  Essa convocação, quer de iniciativa do Juiz, quer de iniciativa de parte, deve ser objeto de intimação pessoal à parte convocada, ou seja, não basta intimar o seu procurador. Mais: o instrumento de convocação deve referir explicitamente que, se a parte convocada não comparecer à audiência, ou se, comparecendo, recusar-se a prestar depoimento, presumir-se-á sua confissão em relação aos fatos contra tal parte alegados.[5]  Ocorrendo a falta de comparecimento ou a opção da parte comparente pelo silêncio, estará caracterizada a confissão, ou seja, a admissão como verdadeiro, de um fato contrário ao seu interesse e favorável ao interesse da parte adversa.[6]  Ressalva a lei, porém, que a admissão, em juízo, de fatos relativos a direitos indisponíveis, não constitui validamente confissão, nem explícita nem presumida (pela ausência à audiência ou pela adoção de silêncio).[7] Quais sejam os chamados direitos indisponíveis já se disse acima.

Há, pois, como dito, um certo paralelismo entre as duas situações: a falta de contestação do réu à petição inicial do autor, por um lado, e a falta de comparecimento  do réu, ou do autor, para prestar depoimento pessoal na audiência de instrução e julgamento, ou, comparecendo, a sua recusa a responder. A primeira situação, que configura a revelia, resulta (com certas exceções) em reputarem-se verdadeiros os fatos afirmados pelo autor (art. 319); a segunda, em presumir-se que a parte omissa admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário.

O Direito Canônico vigente determina que a confissão judicial de uma das partes, quando se trate de um assunto privado e não esteja em causa o bem público, releva as demais do ônus da prova, mas, nas causas que afetem o bem público, a confissão judicial e as declarações das partes que não sejam confissões podem ter força probante, que juiz valorizará em conjunto com as demais circunstâncias da causa, não se lhes podendo, porém, atribuir força de prova plena, a não ser que outros elementos as corroborem totalmente (Cân. 1536). De outro lado, a parte legitimamente interrogada deve responder e dizer toda a verdade. Se se recusa a responder, cabe ao juiz valorar essa atitude com vista à prova dos fatos (Cân. 1531). 

Note-se que no direito brasileiro, nesses casos, de a parte convocada não comparecer à audiência, ou, fazendo-se presente, todavia recusar-se a depor, a lei trata a conseqüência, que estabelece, como uma punição, como uma pena que é aplicada à parte omissa: o juiz lhe aplicará a pena de confissão.[8]

No sistema canônico de 1917 a contumácia em si tem um sentido punitivo.

O sistema do Código de Direito Canônico de 1917 — a contumácia

No sistema do primeiro Código de Direito Canônico que a Igreja teve, promulgado em 1917 e vigente a partir de 1918, a parte demandada era ainda chamada de «réu», em alguns casos, e em outros de «conventus», ou seja, demandado.

E o não-comparecimento do réu a juízo, sem causa justa, quando convocado, ensejava a chamada contumácia, tratada nos Cânones 1842 e seguintes.

É de lembrar-se que esse termo  — contumácia —  era apresentado por De Plácido e Silva como variante da expressão revelia.[9]   Definição tradicional de contumácia, no Direito Canônico, é a de Wernz: inoboedientia erga iudicem legitime vocantem cum pertinacia commisa, ou seja: desobediência pertinaz frente ao juiz que legitimamente convoca.[10]

A declaração de que o réu fosse contumaz, entretanto, porque não atendera à citação, nem sempre era compulsória para o Juiz: era-lhe facultado, pelo Cân. 1842, emitir tal declaração, entenda-se, ex officio.[11] Mesmo que houvesse pedido de alguma parte, ou do promotor de justiça ou do defensor do vínculo, nas causas em que estes dois últimos tivessem atuação, o juiz não estava obrigado a declarar a contumácia.[12]

Havia um hipótese, porém, em que estava obrigado a declarar a contumácia. A delimitação do objeto da contenda, em cada processo, que normalmente seria resultado simplesmente das petições escritas do autor e do réu (a contestação),[13] poderia também dar-se em uma audiência, à qual seriam convocadas todas as partes, para que o juiz, ouvindo-as em pessoa ou em seus procuradores, então fixasse os pontos de controvérsia.[14] Tradicionalmente essa delimitação se faz, no Direito Canônico, através da formulação da «dúvida» (ou das «dúvidas») às quais a sentença, ao final, deverá responder. Havendo acordo entre as partes quanto a tal ou tais dubium ou dubia, desde que razoáveis, estarão estabelecidos os limites da controvérsia. Se não, caberá ao Juiz determinar esse dubium, ou esses dubia. Pois bem, se o Juiz entendeu oportuno ou necessário convocar as partes para em audiência serem fixados os limites da controvérsia, e alguma das partes, convocada, não comparece, nem alegou justa escusa para seu não-comparecimento, o Juiz deve declará-la contumaz. Nessa hipótese, pois, a declaração de contumácia seria obrigatória para o Juiz.[15]

A declaração de contumácia, porém, nessa hipótese em que é obrigatória, ou naquelas em que é apenas lhe é permitida, não podia dar-se, no sistema do Código de 1917, caso não houvesse certeza de que citação fora efetivada, ou presumidamente efetivada, e que ou o réu foi negligente em apresentar escusa do não-comparecimento, ou a sua escusa não era justa. Esses requisitos, segundo a norma, podiam comprovar-se por qualquer meio, embora o Código indicasse a realização de uma nova citação, para que o réu, podendo, escusasse sua falta.[16] 

Declarada a contumácia do réu pelo juiz, o processo haveria de seguir o seu curso, observado o que se deve, até a sentença definitiva e sua execução.[17]

A revelia, no processo civil brasileiro, ocorre somente quando o réu não atende à citação dita inicial, respondendo mediante contestação. A contumácia no processo contencioso canônico do Código de 1917, porém, encontra oportunidade sempre que alguma parte desobedece ao juiz, e não apenas quando não atende à convocação inicial. Pois enquanto no direito processual brasileiro por citação entende-se a citação inicial, ou seja, o chamamento a juízo do réu ou do interessado a fim de se defender,[18]  o termo citação é empregado na linguagem processual canônica também para designar outro qualquer chamamento de pessoas, partes ou outras, para praticarem qualquer ato processual. Assim, por exemplo, as testemunhas são citadas para virem prestar depoimento,[19] embora a elas não se aplique a contumácia.

Podia por isso ocorrer que o demandado ou réu houvesse apresentado contestação, e somente em fase seguinte houvesse desatendido a um chamamento do juiz. Daí a regra estabelecida no Cân. 1844, § 2, determinando que a sentença considere somente a inicial, caso não tenha havido contestação, ou considere também a contestação, caso essa tenha sido apresentada.[20] Porque podia o réu ser declarado contumaz mesmo que houvesse atendido à citação inicial e apresentado contestação.     

O Código de Direito Canônico de 1917 colocou-se na perspectiva de que a contumácia não só acarreta a presunção de um abandono do direito de defesa, mas que é também um desprezo à autoridade do juiz.[21]

A doutrina entendia que na verdade o juiz punia a parte declarando-a contumaz, e contumaz é realmente um adjetivo empregado, mesmo na linguagem comum, como rebaixante da boa-fama de uma pessoa. Veja-se que no Código de Processo Civil Brasileiro, em passagem correlata, mencionada supra, estabelecido está que o juiz aplicará a pena de confissão à parte que frustrar a tomada de depoimento pessoal.[22]

Mais: para quebrantar a contumácia do réu, o juiz, segundo o Código de 1917, ainda podia cominar penas eclesiásticas outras, desde que reiterasse a citação do réu cominando-lhe tal ou qual outra pena.[23]

O objetivo, entretanto, da declaração de contumácia, e mesmo da cominação de outra pena, era ainda o de obter a cooperação do réu no processo, mediante a sua participação em todos os atos para os quais fosse convocado. Daí a regra de que, se o réu voltar atrás em sua contumácia, admitir-se-ão as conclusões e provas que venha a apresentar, desde que antes da decisão da causa, resguardado que não se retarde demais o processo dessa forma.[24] E mesmo depois de editada a sentença, abria-se ao contumaz a possibilidade de impetrar o benefício da restitutio in integrum, para poder apelar. Note-se que a restitutio in integrum somente é cabível em causas cuja decisão possa transitar em julgado, o que não era nem é o caso para as que versem sobre o estado das pessoas.[25]

Foi dito acima que a contumácia do réu tem lugar não somente quando ele não atende à citação inicial, deixando de contestar a inicial, mas também quando mais adiante desatende a alguma determinação do juiz. Pois as regras acima, naturalmente em tudo o que couber, têm aplicação também nessa segunda hipótese.[26]

Também o autor pode ser declarado contumaz, segundo o sistema do Código de Direito Canônico de 1917, não só o réu.

A primeira hipótese de aplicação da contumácia ao autor ocorre quando, determinada pelo juiz a realização uma audiência para a delimitação do objeto da contenda, o réu comparece, mas o autor, embora citado para a tal audiência comparecer, não se faz presente e não dá qualquer ou suficiente escusa para seu não-comparecimento. Pode então o réu pedir que o juiz o cite de novo, e em caso de nova falta de comparecimento do autor, o juiz, mediante pedido do réu (ou do promotor de justiça, ou do defensor do vínculo), declarará  contumaz o autor. O mesmo fará, mediante pedido, se o autor mais adiante se mostrar negligente em fazer o processo andar.[27]

A conseqüência da declaração de contumácia do autor é a perempção de seu direito a que a instância prossiga, embora o promotor de justiça e o defensor do vínculo possam assumir a causa e fazer o processo prosseguir, em vista do bem público. O réu, entretanto, tem várias alternativas: que se lhe permita abandonar o processo; que se tenha por nulo tudo o já processado; que se o absolva definitivamente da demanda; que o processo prossiga até final mesmo sem a participação do autor.[28]

Tanto o autor como o réu declarado contumaz, que não receder de sua contumácia, deverá ser condenado às despesas da lide a que tiver dado lugar pela sua atitude, como a indenizar o eventual prejuízo da outra parte. Se ocorrer contumácia de ambos, a responsabilidade pelas custas será solidária.[29]  

O sistema do Código de Direito Canônico de 1983 — a ausência

À figura da contumácia, prevista no Código de Direito Canônico de 1917 e desaparecida no vigente, corresponde, até certo ponto, a figura da ausência de parte em juízo, desconhecida do Código revogado.

Mas se a ausência do Código vigente substituiu até certo ponto a contumácia do Código anterior, com a qual guarda semelhança em vários aspectos, há entre os dois institutos uma diferença substancial: a contumácia era caracterizada na perspectiva da desobediência ao Juiz: o Juiz chamou a parte e ela não se apresentou ou não respondeu; a ausência, diversamente,  apresenta-se na perspectiva de uma renúncia.

Essa renúncia  — não deixa de ser uma renúncia —  tem um tratamento peculiar na legislação, e, no caso de ausência do demandado, não é uma renúncia à instância, mas apenas a certos atos processuais. No caso do demandante, porém, implica numa renúncia à instância.

O Código de Direito Canônico, no seu Livro VII, intitulado «Dos Processos», trata da ausência dentro do Título V, denominado «Das Causas Incidentais», no Capítulo I: «Do não-comparecimento de partes», e aborda em primeiro lugar a situação que configura a ausência do demandado, depois da que configura a do demandante, e a seguir tem uma norma comum para os dois.

É de se estranhar essa colocação da matéria dentro do Título «Das Causas Incidentais», porque, como escreve o Prof. Luís Madero Lopez,

a possível ausência de parte pouco ou nada tem a ver com causas incidentais, por tratar-se, na realidade, dos efeitos processuais ligados a uma atitude de não-comparecimento de alguma das partes. Essa ocorrência deveria ser considerada como originadora de um processo especial, radicando-se tal especialidade não na natureza da matéria tratada, mas em questões de índole procedimental: o tradicionalmente chamado processo contumacial ou na ausência de parte.[30]  

Note-se que no Código de 1917 o Capítulo referente à contumácia tinha localização correspondente a essa.

Mas vejamos o que diz a lei:

Cân. 1592 – § 1. Se a parte demandada, citada, não comparecer nem apresentar escusa adequada de ausência, ou não responder conforme o Cân. 1507, § 1, o juiz a declare ausente do juízo e, servatis servandis,  determine a continuação da causa até a sentença definitiva e sua execução.

§ 2. Antes de dar o decreto mencionado no § 1, deve constar, por nova citação se necessário, que a citação, feita legitimamente, chegou em tempo útil à parte demandada.  

Como se pode deduzir, a ausência do demandado é interpretada como uma renúncia ao direito de defesa, apenas isso. Se se compara essa figura com a da contumácia, vê-se que desapareceu do texto qualquer sentido de desobediência e de punição. E se vê que, favorecendo o ausente com a permissão de, caso mude de ideia e decida participar do processo, ingressar a qualquer momento de seu curso, a nova legislação quer precisamente mostrar uma justiça acolhedora e não ameaçadora.

A ausência deve ser objeto de um decreto declaratório do Juiz, como se vê do texto. Tal decreto deve ser editado ex officio pelo Juiz, diversamente do que ocorria na contumácia do Código de 1917, mas nada impede que a parte demandante, ou o Defensor do Vínculo (ou o Promotor de Justiça, se intervém no processo), provoquem o Juiz com uma petição, se este se omitir.

É preciso, porém, que o Juiz tenha um mínimo de cuidado em relação ao efetivo recebimento, pela parte demandada, do instrumento de citação. E que esse recebimento conste, de algum modo, dos autos.

Tem às vezes ocorrido, principalmente com Juízes eclesiásticos distantes da sede do Tribunal, que eles entrem em contato com a parte demandada, numa causa de nulidade de matrimônio, pessoalmente ou por telefone (ou por recados…), e esta parte diz que não lhe interessa o processo, que não quer nada com o assunto, que o casamento já terminou mesmo, etc., quando até não parte para a violência verbal ou mesmo física. E como a parte disse (ou teria dito) que não tem interesse em acompanhar o processo, o Juiz a declara ausente. Mas não consta que a citação lhe tenha sido feita.

Não tendo sido formalizada a citação não é possível declarar a parte demandada ausente. Por isso mesmo o Código  — até um tanto redundantemente —  determina que antes de o decreto de ausência ser emitido deve até ser feita uma nova citação, mas isso apenas caso não haja certeza de que a primeira tenha efetivamente alcançado, formalmente, a parte demandada. Essa segunda citação, pois, não deve ser feita se já consta com certeza que a primeira chegou à parte demandada. Não se trata de repetir o que certamente já foi feito.

A ausência da parte demandada, como se vê do texto legal, resulta da omissão em responder à citação, entendendo-se por citação, aqui, a citação inicial. Essa resposta pode dar-se por qualquer dos meios previstos no Cân. 1507,[31] complementado, no que tange ao processo de nulidade matrimonial, pelo Cân. 1677.[32] Sua origem corresponde à da revelia no processo civil brasileiro.          

E se a parte demandada se faz, de fato, ausente a um outro ato processual, posterior à litiscontestatio, pode ser declarada ausente do processo?

Alguns, apegando-se ao fato de haver uma certa correspondência entre a figura da ausência e a figura da contumácia do Código anterior, buscam fundamentar a possibilidade de decretar a ausência no Cân. 6, § 2, do Código vigente,[33] alegando que se trataria de buscar a interpretação da lei vigente na mesma linha que prevalecia ante a legislação anterior. Ora, segundo o Código de 1917 e a Instrução Provida Mater,[34] a contumácia também ocorria se a parte deixava de atender à convocação para prestar depoimento pessoal, ou a outra determinação do Juiz (a Rota Romana, em 1933, considerara cabível qualificar como contumaz uma parte que se negou a fazer depósito para as custas processuais).  E as Normas da Rota Romana então vigentes (art. 71)[35] facultavam a declaração de contumácia mesmo caso a parte, que se remetera à justiça do Tribunal, viesse a não cumprir alguma determinação ou convocação do juiz. A Provida Mater nada dizia, e a doutrina e a prática dos Tribunais também se dividia, alguns ensinando e alguns pondo em prática a declaração de contumácia nessa hipótese, outros ensinando que não cabia (salvo na Rota), e se negando a declará-la.

A resposta afirmativa não é correta, pois as figuras da contumácia e da ausência não são exatamente correspondentes, e o novo Código, de 1983, revogou explicitamente o anterior, de 1917, e, conseqüentemente, os atos regulamentadores do mesmo Código de 1917.

Em favor de tal posição tem-se ainda o fato de que o novo Código não reproduziu a disposição do Cân. 1848 do Código anterior,[36] cânone esse que exatamente previa que as regras sobre a contumácia em não responder à citação (primeira) se aplicassem quando o réu (demandado), mesmo tendo respondido a tal citação, se tornasse contumaz no andamento ulterior do processo.[37]

Já outros indicam que deva interpretar-se a falta de atuação da parte demandada, posteriormente à litiscontestatio, como um «remeter-se à justiça do tribunal». Aliás, admitem que até a resposta da parte demandada à citação possa ser, explicitamente, um «remeto-me à justiça do tribunal».

García Faílde[38]  defende brevemente que a figura persiste, distinta da ausência. Mas baseia-se (embora não só) em direito particular para a Espanha.

Cabe aqui, então, examinar, ainda que por alto, tal «remeter-se à justiça do tribunal».

Essa figura não aparece no Código de 1917; surgiu com a Instrução Provida Mater,[39]que, no seu art. 89, tratando do não comparecimento do réu à sessão de litiscontestação, determina a declaração de contumácia, mas, no § 4, estabelece: Se o réu, quer pessoalmente quer por carta, declarar que se remete à justiça do tribunal, fixar-se-á o dubium e se lho notificará, como no parágrafo anterior.

Explicando essa norma a doutrina diz que com tal posição o réu, hoje chamado de demandado, estava renunciando a pôr em juízo os atos que dependem de sua vontade (por exemplo, contestar a inicial, apresentar provas, apresentar alegações e réplicas), mas não aqueles que o juiz legitimamente lhe ordenasse praticar no processo (por exemplo, vir prestar depoimento pessoal, depositar adiantamento de custas). Como a contumácia apenas tinha lugar caso a parte praticasse uma desobediência à ordem do juiz, dizia-se que, remetendo-se à justiça do tribunal a parte não desobedecia, não podendo, portanto, ser considerada contumaz. Assim, os atos que viessem a ser determinados pelo Juiz à parte que se remetera à justiça do tribunal deviam por esta parte ser praticados e, se não praticados, configurariam contumácia.  

Ora, conquanto nada possa impedir que a parte se dirija ao tribunal para informar que se remete à sua justiça, trata-se de uma figura abolida pelo novo Código, e, portanto, tal declaração não muda nada seu status no processo. Com efeito, é sabido que as Instruções deixam de vigorar não só pela revogação explícita da autoridade competente que as deu ou de seu superior, mas também pela cessação da lei para cujo esclarecimento ou execução foram dadas, como determina o Cân. 34, § 3, do vigente Código de Direito Canônico. Como o vigente Código revogou totalmente o anterior, a Provida Mater  perdeu totalmente a vigência. Salvo que direito especial ou particular a preveja.[40]

Que pode fazer, então, o Juiz, se a parte demandada, havendo participado do processo até a litiscontestatio, depois não mais responde, não mais atende a suas determinações? Deverão ser aplicadas, quando for o caso, as normas que disciplinam a perempção da instância (Cân. 1520-1523) e as que fixam prazos fatais (Cân. 1465)[41].

A declaração de ausência do processo, aplicada à parte demandada, não exime, entretanto, o Juiz, de convocá-la para que preste depoimento pessoal, na fase instrutória, de acordo com Cân. 1530,[42] pois o processo de declaração de nulidade de matrimônio é de interesse público. Do fato de a parte não ter respondido à citação não se pode inferir como conseqüência necessária que ela também não comparecerá para prestar depoimento. 

E se quem não comparece é a parte autora?

Diz o Cân. 1594:

Cân. 1594 – Se no dia e hora pré-estabelecidos para a litiscontestação o autor não comparecer nem apresentar escusa adequada:

1º o juiz cite-o novamente;

2º se o autor não atender à nova citação, presume-se que tenha renunciado à instância, de acordo com os cânones 1524-1525;

3o se quiser intervir depois no processo, observe-se o Cân. 1593.

Ora, é bastante raro que nos processos de nulidade de matrimônio as partes sejam convocadas para uma sessão judicial destinada a delimitar a contenda, porque essa delimitação, em tal tipo de causas, não se faz em sessão, de conformidade com a regra especial do Cân. 1677, § 2.[43] Somente se uma das partes tiver requerido tal sessão é que serão, ela e as outras (outras porque também o defensor do vínculo e eventualmente o promotor de justiça se equiparam às partes), convocadas para comparecerem, todas, em determinado local e horário. E só nessa hipótese excepcional é que, a parte autora não comparecendo, dará azo à declaração de ausência, assim mesmo após uma segunda convocação sem atendimento (Cân. 1594, 1o. e 2o., transcritos supra)   

Mesmo, pois, que a primeira notificação ou intimação, ou citação, como queiram chamar, para a audiência, tenha efetivamente, com certeza, chegado ao demandante, a ele sempre deve ser feito um segundo chamamento para a sessão. Para a parte demandada a segunda citação só é feita se não houver certeza de que a primeira lhe chegou ao conhecimento.

Se nessa segunda vez, pois, a parte autora também não comparecer, presume-se que tenha renunciado à instância, de acordo, porém, com a norma dos Cân. 1524-1525.

Se vamos para esses dois Cânones, vemos que a renúncia deveria ser formulada por escrito; é claro que, tratando-se de uma presunção de renúncia, não vai ocorrer tal escrito. Mas persiste, sim, a exigência de que a outra parte concorde, expressa ou tacitamente, com tal renúncia. Se a outra parte concordar com a renúncia, a instância termina, termina o processo.

Mas precisamente porque a outra parte pode preferir que a instância prossiga, o Cân. 1594 remete ao anterior, 1593,[44] que disciplina a volta da parte ausente a participar do processo. Tratar-se-á disso logo a seguir.

O que foi dito antes, de que situação análoga ocorre com a parte demandante, refere-se a que a ausência somente cabe nesta oportunidade (excepcional, como apontado, nas causas de declaração de nulidade de matrimônio, porque nela normalmente não haverá sessão para a litiscontestatio).  Assim, se a parte demandante, na continuação do processo, não mais se apresenta, não faz adiantamento para custas, não comparece para depoimento pessoal, ao Juiz não é facultado declará-la ausente.

O remédio para pôr fim ao processo estaria no Cân. 1520: a perempção da instância por inatividade da parte por seis meses (salvo prazo diverso estabelecido em lei particular).[45]

Se tiver de ser adotado esse caminho, cumpre dar atenção a dois aspectos.

O primeiro é que, enquanto na renúncia, à instância, expressa ou tácita, a outra parte deve concordar para que essa renúncia se efetive, na perempção da instância não há necessidade dessa concordância.

O segundo é que, como já se viu, é necessário que, no «jogo» do processo, se é lícito usar tal expressão, seja a vez da parte, e não a vez do Juiz. Assim, se a parte demandante simplesmente não compareceu na data em que deveria prestar depoimento (nem apresentou escusa), não basta deixar o processo parado por seis meses. Porque é a vez de o Juiz marcar nova data, mandar convocar novamente. Para que o Juiz alcance o resultado de o processo poder ser encerrado por perempção é preciso que ele ponha o demandante na obrigação de praticar um ato determinado, despachando por exemplo: Sobre o prosseguimento do processo diga a parte demandante.  Só a partir da intimação desse despacho caberá o cômputo do prazo para perempção da instância.

Mas a parte ausente, seja demandante seja demandada, pode voltar a participar do processo, como prevê o Cân. 1593[46] e o nº 3 do Cân. 1594.[47] As hipóteses são várias, conforme a oportunidade da retomada pela parte até então ausente:

1. Se a retomada se dá antes da conclusio in causa,[48] como o processo ainda se encontra na fase instrutória ou probatória, pode propor suas provas e daí por diante atuar normalmente.

2. Se a retomada se dá depois da conclusio in causa, mas antes da sentença, pode ainda apresentar suas «conclusões» e provas, estas, porém, apenas nos casos excepcionais estabelecidos no Cân. 1600.[49] Parece que com o termo «conclusões» o legislador tenha querido referir-se às alegações da fase discussória; o texto não é claro.

3. Se a retomada se dá após a sentença, pode recorrer da mesma sentença mediante apelação ou, eventualmente, se cabível, mediante outro recurso.[50]

4. Se, comparecendo após a sentença, comprovar que estava legitimamente impedida de participar do processo e não pôde comprovar antes tal impedimento, poderá propor querela de nulidade contra a sentença.

A ausência, quer de uma parte quer de outra, quer de ambas, a não ser que tenha ocorrido por justo impedimento, obriga o ausente a arcar com as despesas resultantes de sua omissão, inclusive no sentido de indenizar a outra parte, se for o caso. Se ambas estiveram ausentes sem escusa, respondem solidariamente.[51]   Dificilmente, porém, no juízo eclesiástico, será possível forçar  — e logo a parte ausente —  a realizar o pagamento de tais despesas, arcando com elas, geralmente, a parte autora, que não é reembolsada. Se esta for a ausente, também será difícil obter dela a satisfação de seus débitos para com o Tribunal.


* Professor na Faculdade de Direito da PUC-RS, em Porto Alegre.

[1] DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico (edição universitária), vol. IV. Rio de Janeiro, 1991. Forense. 3a. edição, pág. 141.

[2] Código de Processo Civil, art. 322: Contra o revel correrão os prazos independentemente de intimação. Poderá ele, entretanto, intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontra.

[3] Código de Processo Civil, art. 321: Ainda que ocorra revelia, o autor não poderá alterar o pedido, ou a causa de pedir, nem demandar declaração incidente, salvo promovendo nova citação do réu, a quem será assegurado o direito de responder no prazo de quinze dias.

[4] Código de Processo Civil, art. 343, caput: Quando o juiz não o determinar de ofício, compete a cada parte requerer o depoimento pessoal da outra, a fim de interrogá-la na audiência de instrução e julgamento.

[5] Código de Processo Civil, art. 343: § 1º A parte será intimada pessoalmente, constando do mandado que se presumirão confessados os fatos contra ela alegados, caso não compareça ou, comparecendo, se recuse a depor. § 2º Se a parte intimada não comparecer, ou, comparecendo, se recusar a depor, o juiz lhe aplicará a pena de confissão.

[6] Código de Processo Civil, art. 348: Há confissão, quando a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário. …

[7] Código de Processo Civil, art. 351: Não vale como confissão a admissão, em juízo, de fatos relativos a direitos indisponíveis.

[8] Código de Processo Civil, art. 343, § 2o., in fine.

[9] Cf. supra, nota 1.

[10] WERNZ, S.I., Ius Decretalium, V, n. 534. Apud VERMEERSCH, S.I. e CREUSEN, S.I., Epitome Iuris Canonici, T. III, Mechliniae – Romae, H. Dessain, 1928.

[11] Cân. 1842: O réu que, citado, não comparece nem pessoalmente nem por procurador, sem que haja causa justa, pode ser declarado contumaz.

[12] Cân. 1844, § 1: O juiz pode declarar a contumácia do réu a pedido da parte, ou do promotor de justiça ou do defensor do vínculo, se intervêm no processo, e, uma vez declarada, proceder, servatis servandis,  até a sentença definitiva e sua execução.

[13] Cân. 1727: Para a contestação da lide não é necessária nenhuma solenidade, bastando que, comparecendo as partes perante o juiz ou seu delegado, se insira nos autos a petição do autor e a contestação do demandado, de tal modo que conste de que assunto se trata ou quais são os limites da controvérsia.

[14] Cân. 1728: Nas causas mais intrincadas, porém, nas quais o pedido do autor não apareça claro e simples, ou a contestação do demandado mostre dificuldades, o juiz, quer por iniciativa própria, quer a pedido do autor ou do réu, citará as partes, para que fiquem claramente delimitados os termos da controvérsia, ou seja, para, como se diz, «concordar as dúvidas».

[15] Cân. 1729, § 1: Se no dia marcado para a concordância das dúvidas alguma das partes chamada a juízo não comparece nem alega escusa que justifique sua ausência, seja declarada contumaz, e, a pedido da parte presente, será fixada ex officio a fórmula das dúvidas. A fixação será notificada imediatamente, ex officio, à parte contumaz, tanto para que possa propor as exceções que deseje contra a fórmula das dúvidas ou assuntos, como para que possa purgar sua contumácia dentro do prazo que ao juiz parecer conveniente.

[16] Cân. 1843: Não pode, porém, o juiz declarar contumaz o réu sem que previamente conste: 1o. que a citação, feita legitimamente, chegou, ou ao menos deveu chegar, ao conhecimento do réu em tempo útil; 2o. que o réu foi negligente em escusar sua ausência, ou que a escusa alegada não foi justa. Tudo isso pode ser comprovado tanto por uma nova citação do réu para que, se puder, escuse sua contumácia, como por qualquer outro modo.   

[17] Cân. 1844, § 1 – Cf. nota 12, supra.

[18] Código de Processo Civil, art. 213: Citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender. Art. 214: Para a validade do processo é indispensável a citação inicial do réu. …

[19] Cân. 1765: A citação das testemunhas se faz por ato do juiz, … Cân. 1766, § 1: A testemunha devidamente citada deve ….

[20] Cân. 1844, § 2: Procedendo-se até a sentença definitiva, caso o pleito não tenha sido contestado a sentença deverá ter em conta apenas o pedido no libelo inicial; se houve contestação, também o próprio objeto da contestação.

[21]inoboedientia pertinax…, segundo Wernz. Cf. nota 10, supra.

[22] Cf. nota 5, supra.

[23] Cân. 1845: § 1. Para quebrantar a contumácia do réu, pode o juiz também cominar a contumácia com penas eclesiásticas. § 2. Se quiser fazê-lo, deverá ser reiterada a citação do réu, com a cominação das penas; e já não será lícito, então, declarar a contumácia nem, depois de declarada, aplicar as penas, a não ser que se prove que também essa segunda citação não teve efeito.  

[24] Cân. 1846: Se o réu voltar atrás em sua contumácia e se apresentar em juízo antes da definição da causa, admitir-se-ão as conclusões e provas que acaso aduza. Mas o juiz zelará para que não se faça demorar, de má fé, o processo, com desnecessárias e mais longas dilações.

[25] Cân. 1847: Depois de dada a sentença, o contumaz pode pedir, ao próprio juiz que a editou, o benefício da restitutio in integrum, para apelar, contanto que formule tal pedido dentro de três meses a partir do dia em que foi intimado da sentença, a não ser que se trate de causas que não passam a coisa julgada.  Cf. Cân. 1903: Nunca transitam em julgado as causas relativas a estado das pessoas; …

[26] Cân. 1848: As regras anteriores aplicam-se também quando o réu, ainda que tenha obedecido à primeira citação, tornar-se contumaz depois, no curso do processo.

[27] Cân. 1849: Se no dia e hora em que o reu comparecer pela primeira vez perante o juiz, atendendo ao prescrito na citação, o autor não se fizer presente e não der qualquer escusa para o não-comparecimento, ou a der insuficiente, o juiz o citará novamente, a pedido do réu demandado; e se o autor não obedecer à nova citação, ou depois não der início ao processo, ou, iniciado, negligenciar em seu prosseguimento, seja ele declarado contumaz pelo juiz, a pedido do reu demandado ou do promotor de justiça ou do defensor do vínculo, observadas as mesmas regras supra estabelecidas para a contumácia do réu.  

[28] Cân. 1850: § 1. A contumácia do autor, declarada pelo juiz, faz perimir o direito do mesmo autor ao rosseguimento da instância. § 2. Todavia, sempre que parecer que o bem público o exija, é permitido ao promotor de justiça ou ao defensor do vínculo tornar sua a instância e prossegui-la. § 3. O réu, porém, tem o direito, a partir desse momento, de pedir ou que livremente se lhe permita abandonar o processo, ou que se tenha por nulo tudo o que até aí tiver sido feito,  ou que se o absolva definitivamente da petição do autor, ou ainda que se prossiga com o processo até final, mesmo ausente o autor.

[29] Cân. 1851: § 1. Aquele que, autor ou réu, tendo sido declarado contumaz, não purgar sua contumácia, será condenado a pagar as despesas do pleito ocasionadas por sua contumácia, bem como, se for o caso, a indenizar a outra parte. § 2. Se tanto o autor como o réu forem contumazes, ficarão obrigados solidariamente às custas.

[30] MADERO LÓPEZ, Luís. Comentário prévio ao Cân. 1592 e ss., in: Código de Derecho Canónico, Edición bilingüe y anotada.  Pamplona, 2001. 6a. edición. EUNSA (Ediciones Universidad de Navarra, S.A.) 

[31] Cân. 1507 – § 1. No decreto, com o qual se admite o libelo do autor, o juiz ou o presidente deve chamar a juízo as outras partes ou citá-las para a litiscontestação, determinando se devem responder por escrito ou se devem apresentar-se pessoalmente diante dele para a concordância das dúvidas. E se, pelas respostas escritas, constata a necessidade de convocar as partes, pode estabelecê-lo com novo decreto. § 2 – … … § 3. Mas se as partes litigantes comparecerem de fato diante do juiz para fazer tramitar a causa, não há necessidade de citação; o notário, porém, indique nos autos terem as partes comparecido a juízo.

[32]Cân. 1677 – § 1. Aceito o libelo, o presidente ou o relator proceda à notificação do decreto de citação, de acordo com o Cân. 1508.  § 2. Decorrido o prazo de quinze dias após a notificação, salvo se uma das partes tiver requerido sessão para a litiscontestação, o presidente ou o relator, por decreto, estabeleça ex officio a fórmula da dúvida ou dúvidas e a notifique às partes.  § 3. … …  § 4. … …

[33] Cân. 6 – § 1. … …  § 2. Os cânones deste Código, enquanto reproduzem o direito antigo, devem ser apreciados levando-se em conta também a tradição canônica.

[34] Instrução, de 15 de agosto de 1936, da Sagrada Congregação da Disciplina dos Sacramentos, Acta Apostolicae Sedis, 28 [1936], pág. 313-361.

[35] Normae Sacrae Romanae Rotae Tribunalis, de 24 de janeiro de 1934. Acta Apostolicae Sedis, 26 [1934], pág. 449-491.

[36] V. supra, nota 26.

[37] Cf. RAMOS, Francisco J., O.P., I Tribunali Ecclesiastici. Costituzione, Organizzazione, Norme Processuali.  Romae, 1998. Ed. Millenium, pág. 396-397.

[38] Nuevo Derecho Procesal Canónico, 2a. ed., pág. 104/106.

[39] Instrução, de 15 de agosto de 1936, da Sagrada Congregação da Disciplina dos Sacramentos, Acta Apostolicae Sedis, 28 [1936], pág. 313-361..

[40] Os Regimentos de vários dos Tribunais Eclesiásticos da Itália, por exemplo, contemplam expressamente a hipótese de «remeter-se à justiça do tribunal». Assim, o do TER Etrusco (art. 17), o do Tribunal de 1a. Instância do Vicariato de Roma (art. 24), o do TER da Região dos Abruzzi (art. 18), o TER da Campania (art. 54), o TER da Região de Puglia (art. 17).O regimento do Tribunal de 1a. Instância do Vicariato de Roma, ademais, estabelece que «La parte convenuta che si disinteressa completamente del processo o che, pur rimettendosi alla giustizia del Tribunale, non prende parte attiva al medesimo, sarà dichiarata assente dal giudizio e, dopo il decreto di assenza, le sono assicurate tutte le notifiche che vengono fatte alla parte attrice». Cf. I Tribunali Ecclesiastici Regionali Italiani (Regolamenti ed Organici) – Annuario 2000.  – A cura dell’Associazione Canonistica Italiana. Roma. 2000.

[41] Cân. 1465 – § 1. Os assim chamados prazos fatais, isto é, os prazos fixados pela lei para os direitos caducarem, não podem ser prorrogados, nem validamente reduzidos, senão a pedido das partes. § 2. … … § 3. … …

[42]Cân. 1530 – Para apurar melhor a verdade o juiz pode sempre interrogar as partes, e até o deve, a requerimento de parte ou para provar um fato que é do interesse público que esteja fora de qualquer dúvida.

[43] Cf. supra, nota 32.

[44]Cân. 1593 – § 1. Se a parte demandada se apresentar depois a juízo ou responder antes da definição da causa, pode apresentar conclusões e provas, salva a disposição do Cân. 1600; o juiz, porém, cuide que o processo não se protraia propositadamente com longos e desnecessários atrasos. § 2. Mesmo que não tenha comparecido ou respondido antes da definição da causa, pode fazer impugnações contra a sentença; e se provar ter sido detida por impedimento legítimo que, sem culpa sua, não pôde demonstrar antes, pode fazer uso da querela de nulidade.

[45] Cân. 1520. Não havendo nenhum impedimento, se nenhum ato processual for praticado pelas partes durante seis meses, dá-se a perempção da instância. A lei particular pode estabelecer outros prazos de perempção.

[46] Cf. nota 44.

[47] Transcrito acima.

[48] Conclusio in causa diz-se o encerramento da fase probatória, seja porque as partes declarem nada mais ter a alegar, seja porque expirou o tempo útil fixado pelo juiz para a apresentação de provas, seja ainda porque o juiz declare a causa suficientemente instruída. A conclusio in causa deve ser objeto de ato declaratório do juiz. A matéria está disciplinada no Cân. 1599.

[49] Cân. 1600 – § 1. Depois da conclusio in causa o juiz pode chamar as mesmas ou outras testemunhas a juízo, ou disponibilizar novas provas que não tenham sido pedidas anteriormente, apenas: 1º em causas em que se trata só do bem particular das partes, se todas as partes concordarem;  2º em outras causas, ouvidas as partes, contanto que haja grave razão e seja afastado qualquer perigo de fraude ou de suborno;  3º em todas as causas, sempre que seja verossímil que, não sendo admitida nova prova, se dê uma sentença injusta, pelas razões mencionadas no Cân. 1645, § 2, números 1-3.  § 2. O juiz, no entanto, pode determinar ou admitir que se apresente documento que, sem culpa do interessado, não pôde talvez ser apresentado antes.  § 3. As novas provas sejam publicadas, observando-se o Cân. 1598, § 1.

[50] Sem necessidade de requerer restitutio in integrum. Cf. nota 25, supra.

[51] Cân. 1595 – § 1. A parte ausente do processo, autor ou parte demandada, que não provar seu justo impedimento, é obrigada a pagar as despesas da lide feitas por causa de sua ausência, e também a indenizar a outra parte, se for o caso.  § 2. Se tanto o autor quanto a parte demandada forem ausentes do processo, ficam ambos obrigados solidariamente às despesas da lide.

MATRIMÔNIO PERANTE MINISTRO NÃO-CATÓLICO (CONSULTA)

Uma parte, batizada na Igreja Católica, contraiu matrimônio (aparentemente ao menos) com outra parte igualmente batizada na Igreja Católica, mas perante um ministro não-católico. Essa união não perdurou, as partes se separaram.

Agora, uma dessas partes quer contrair um verdadeiro matrimônio com outra pessoa, perante a Igreja Católica.

Seria necessário um processo canônico formal para decretar a nulidade daquele casamento perante o ministro não-católico?  Poderia ser um processo meramente documental?

A resposta é de todo negativa: não há necessidade de nenhum processo (judicial), apenas o fato deve ser considerado na habilitação para esse matrimônio perante a Igreja Católica, com especial atenção às disposições do Cân. 1071, § 1, do vigente Código.

Veja-se:

O Rev. Jesus Hortal, no comentário da edição brasileira do Código (Loyola), simplesmente escreve que No caso de defeito de forma não é necessário nenhum processo judiciário, se nem sequer houve aparência de forma canônica. O processo documental caberia, sim, de tivesse havido a aparência de forma canônica (por exemplo, perante um sacerdote ou diácono católico e duas testemunhas, mas faltando ao clérigo o poder resultante de ser Ordinário ou Pároco, ou de ter delegação idônea). 

A observação do Pe. Jesus Hortal encontra seu fundamento (além da lógica) em uma Resposta editada pela antiga Comissão de Interpretação (do CIC 1917), datada de 16 de outubro de 1919, publicada nas AAS 11, p. 479). Diz a Resposta, reportando-se a casos desse tipo: Casus supramentionati nullum iudicialem processum requirunt aut interventum defensoris vinculi; sed resolvendi sunt ab Ordinario ipso, vel a parocho, consulto Ordinario, in praevia investigatione ad matrimonii celebrationem, de qua in can. 1019 et seqq[1].   

A Comissão para a Interpretação Autêntica dos Cânones do Código (de 1983) repetiu tal posição:

Utrum ad comprobandum statum liberum eorum qui, etiam ad canonicam formam adstricti, matrimonium attentarunt coram civili officiali aut ministro acatholico, necessário requiratur processos documentalis de quo in Can. 1686, na sufficiat investigatio praematrimonialis ad normam Can. 1066-1067.  R.: negative ad primum; affirmative ad secundum.[2]  

Sobre a matéria pode ser encontrado um comentário mais longo em GULLO, Carlo (org.). Il Processo Matrimoniale Canonico. Città del Vaticano, 1988. Libreria Editrice Vaticana (Coll. Studi Giuridici), pág. 402 e ss.

Essa Resposta encontra-se também em PÉREZ PUJOL, Enrique. O Conselho Pontifício para a Interpretação dos Textos Legislativos. Resumo da Tese Doutoral. Paulo Afonso, BA, 1992 Ed. Fonte Viva, pág. 184, que transcreve o seu texto integral (três questões receberam resposta em um único pronunciamento, aliás o primeiro da Comissão).

Assim, o Pároco perante o qual correr o processo de habilitação para agora um verdadeiro matrimônio deverá tratar do assunto (e registrá-lo no processo), recorrendo ao Ordinário se verificar qualquer das hipóteses do Cân 1071, § 1.

Porto Alegre, nove de novembro de 2011.

Alexandre Henrique Gruszynski   


[1] REGATILLO, Eduardus F. Interpretatio et Iurisprudentia Codicis Iuris Canonici. Santander, 1949. Ed. Sal Terrae, pág. 552.

[2] AAS 76 [1984], pag. 687.

Coração Santo, Tu reinarás…

Alexandre Henrique Gruszynski[1]

Conheci esse canto no final da década de 30 ou no início da década de 40 do século passado. Na Paróquia a que eu então pertencia era cantado de quando em vez.

Passando a frequentar outros ambientes católicos, logo adiante, vi-me envolvido pelo Movimento Litúrgico, revitalização que foi ocorrendo na Arquidiocese de Porto Alegre, a partir, mais amplamente, dos anos 50.

E nesses ambientes, marcados por celebrações em que se participava de modo ativo e consciente, tal canto sumiu.

Criança, então, tinha eu aprendido, no Catecismo, que Jesus, Filho de Deus Pai, era verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Cantavam, porém, que Jesus era Pai amoroso, e era-me difícil, naquela idade, compreender que um homem solteiro, como Jesus, pudesse ter filhos. Porque Jesus era (e é) o Filho unigênito de Deus Pai, e os filhos de Jesus (o Pai amoroso), teriam de ser pessoas humanas, não divinas… e onde estavam, quem eram?  Não tinha eu, porém, então, com quem questionar o assunto…

Cabe lembrar que, lá pela década de 60 dos anos 1900, um artigo do Rev. Joseph Comblin publicado na Revista Eclesiástica Brasileira mostrava como esse ponto fundamental da doutrina cristã, que Deus é um Deus único em três distintas pessoas, era não só mal apresentado em muitos meios da Igreja, mas (talvez por isso mesmo) mal conhecido entre os fiéis.

Não creio que o abandono de tal canto tenha sido motivado, em Porto Alegre ao menos, por essa falha teológica. É que o estilo do texto e do canto — verdadeira canção romântica — é profundamente destoante do que se esperaria de um canto a ser utilizado em celebrações litúrgicas[2]. A Arquidiocese de Porto Alegre, naqueles anos 60, era reconhecida até pelo Papa Paulo VI como avançada na revitalização litúrgica, como ele manifestou certa vez ao então Bispo-Auxiliar José Ivo Lorscheiter.

Assim, nem a primeira (1966) nem a segunda (1970) versão do Canto do Povo de Deus, publicações da Comissão Arquidiocesana de Música Sacra de Porto Alegre, o contém. Igualmente o Livro de Cantos da Arquidiocese de Porto Alegre (A Comunidade Canta), mais recente, não o contempla. Tampouco o Manual Cantos e Orações da Editora Vozes, da década de 80. Não figura, igualmente, no Hinário Litúrgico organizado pela CNBB e publicado pelas Edições Paulinas.

Voltei a ouvir o canto, porém, na Catedral de Porto Alegre, talvez já desde há uns vinte ou trinta anos, por ocasião de Missas da 1ª. sexta-feira do mês.

Tão-logo isso me foi possível, tratei de fazer chegar, à pessoa então responsável pelos cantos nas celebrações, a impropriedade contida na versão que cantavam, de chamar de Pai a Jesus, o Filho de Deus, naquela estrofe que diz Jesus amável, Jesus bondoso, Pai amoroso,… E continuei a manifestar a minha inconformidade sempre que para tanto tive ocasião.

Folheando, há anos, uma vasta coletânea de cantos preparada pelos Salesianos[3], encontrei, por acaso, esse canto, mas na versão ali constante, ao invés de Jesus ser qualificado como Pai amoroso, a palavra Pai foi substituída pela palavra Deus. Quem fez tal substituição não mudou o ritmo, mas corrigiu o erro teológico.

Fiz a sugestão de tal troca, então, aos cantores da 1ª. sexta-feira, e cantaram assim uma ou duas vezes, retornando depois a Jesus-Pai.

Ora, embora talvez nem todos o tenham percebido, o canto é um instrumento extremamente funcional para que se memorize um texto. Basta tentar declamar sem canto, por exemplo, o Hino Nacional Brasileiro, para convencer-se de que o canto facilita a conservação do texto na memória. Não é por nada que a Igreja, secularmente, insiste no uso do canto nas celebrações: é também para que se conservem na memória as verdades que prega. O canto, assim, é um instrumento catequético precioso. Quando, porém, a mensagem é falsa ou inverídica, ele se torna pernicioso.

Proclamar, pois, cantando (e dessarte pondo no subconsciente dos fiéis) que o Filho é o Pai, constitui indubitavelmente uma importante «desevangelização»: pois a existência de três pessoas distintas em um único Deus é, para a Igreja, ponto fundamental.

Buscando elementos para escrever o presente artigo procurei o texto ou a partitura em várias publicações impressas a meu alcance, além das antes mencionadas, e só o encontrei, e com o texto Pai amoroso, em um Livro de Hymnos e Canticos Espirituaes, edição FTD, de 1935.

Pesquisando-se pelo mesmo canto, porém, na Internet, encontram-se dele variadas versões do texto, com ou sem notas, com ou sem cifras de acordes, quase todas com a correção indicada: substituir a palavra Pai pela palavra Deus. Aparece também em castelhano (youtube), com o estribilho correspondente ao nosso e com duas versões para as estrofes, uma semelhante à brasileira, mas com Deus e não Pai, e outra completamente diferente. 

Veja-se, por exemplo:

http://www.folhetosdecanto.com/2014/06/coracao-santo.html

https://www.letras.com.br/catolicas/coracao-santo-tu-reinaras

http://catedralcolatinacantos.blogspot.com.br/2015/05/05-06-2015-oitavario-sag-coracao-de.htmlhttps://www.youtube.com/watch?v=NeJUnkmn98E

https://www.cifraclub.com.br/padre-reginaldo-manzotti/coracao-santo/

https://www.letras.com.br/catolicas/coracao-santo-tu-reinaras

http://www.superpartituras.com.br/t–mondia/coracao-santo–tu-reinaras [4]

Estou convicto, pois, de que esse canto é inadmissível, na Igreja Católica, com o texto que chama Jesus de Pai. Ademais, pelo seu conteúdo romântico e individualista, não condiz com celebrações litúrgicas.

Se cantado à saída da Missa, então, incide ademais, como qualquer outro, na reprovação da Santa Sé, que expressamente declarou já em 1972, nos inícios da reforma litúrgica determinada pelo Concílio: a reforma não quer que as intimações da liturgia sejam contraditadas pela realidade. A intimação «Ite, missa est» (que na tradução para o português aparece como «Ide em paz, e o Senhor vos acompanhe») não teria sentido se os fiéis fossem depois convidados a permanecer…   …O canto… após tal despedida…   …não seria concorde com as palavras de despedida…   …Se é que as palavras da liturgia têm algum sentido, o lógico é que o povo vá embora.[5]


[1] com a colaboração de Yandara Terezinha Araujo Conte. 

[2] Como em desuso caiu, provavelmente pelo mesmo motivo, o Wir wollen Gott, composto originalmente (1908) em francês (Nous voulons Dieu,  letra de François-Xavier Moreau)…

[3] que há uns vinte anos atrás me foi presenteada por um colega canonista de Lorena, SP, reunindo, ao que parece sem maiores preocupações de escolha, variados cantos.

[4] Partitura para Banda (sem letra).

[5] Cf. Notitiae, 1972, pág. 303-304.

Igrejas Orientais

Alexandre Henrique Gruszynski

Em um escrito anterior já procurei mostrar que a Igreja, embora Católica, ou seja, universal, teve seu início no Oriente. Os Apóstolos, que deveriam fazer discípulos de Jesus todos os povos[1], ainda aguardaram em Jerusalém a vinda do Espírito Santo prometido e já no próprio dia de Pentecostes começaram a pôr em prática o que lhes fora determinado.[2]

Mas como, ficando em Jerusalém, não cumpririam a missão de pregar o Evangelho a toda criatura, partiram para outras cidades do Oriente, onde, mediante a sua pregação, conquistaram adeptos e formaram comunidades a que presidiam não só na liturgia mas também na administração. E estabeleceram sucessores, chamados bispos. Essas comunidades, em torno dos Bispos, ganharam o nome de Diocese ou Eparquia. A certa altura o Apóstolo Pedro, que presidia à comunidade de Antioquia, mudou sua sede para a cidade sede do Império Romano (que dominava então boa parte do Oriente). 

A liderança de alguns desses Bispos sobre toda uma região onde seus colegas, também Bispos, tinham as suas comunidades resultou em que se lhes desse o nome de Patriar­ca, e eles desempenhavam um papel unificador dos liderados e respecti­vas comunidades, especialmente no que dizia respeito à disciplina jurídica, às perspectivas teológicas e à forma de cele­brar a liturgia,.

Ao conjunto dos seis Patriarcados do Oriente (dos quais posteriormente se desmembraram algumas Igrejas às quais igualmente foi reconhecida autonomia), com o respectivo povo, chama-se de Igreja Oriental, ou, melhor, Igrejas Orientais. Ao povo ligado ao Patriarcado de Roma e ao que resultou da expansão deste chama-se de Igreja Latina ou Ocidental.

Na Igreja Latina coincidem Patriarca e Papa na mesma pessoa; o Papa é o Patriarca do Ocidente[3], embora Bento XVI tenha mandado excluir este título.

Nas Igrejas Patriarcais, entre o Eparca e o Papa está a autoridade do correspondente Patriarca. Mas há Igrejas Orientais de direito próprio[4] que não são patriarcais, embora procedentes das tradições patriarcais; a estas preside o assim chamado Arcebispo-Maior, ao qual se aplica, no que couber, o disposto relativamente aos Patriarcas Orientais[5]. E pode haver ainda outras Igrejas autônomas, Metropolitanas ou não[6].

A vinculação a tal ou qual Igreja Oriental, ou à Igreja Ocidental ou Latina, deu-se circunstancialmente pelo território, pois a comunidade dos fiéis tinha correspondência com sua moradia. As migrações, porém, não quebraram essa ligação, de modo que o cristão, mesmo saindo de seu território, continuou vinculado ao seu modo de ser fiel: perspectiva teológica e de espiritualidade, liturgia, regras de conduta. Sendo a liturgia o elemento mais palpável dessa vinculação, a própria vinculação ganhou o nome de rito, palavra que, nesse sentido, designa não só o modo peculiar de celebrar, mas também a pertinência a tal ou qual Igreja, seja uma das Orientais, seja a Latina.[7] O critério de pertinência, pois, não é territo­rial, mas pessoal, e essa pertinência a uma Igreja de direito próprio se transmite, em regra, de geração em geração, como qualidade da pessoa.

Ingressa-se na Igreja pelo batismo. O batismo deve ser celebrado, em regra, no rito dos pais, mas se for em outro, isso não muda a vinculação (que, pelo batismo, o fiel adquire) com o rito, ou seja a vinculação à Igreja de direito próprio dos pais. Se os pais pertencerem a ritos diversos, o filho pertencerá à Igreja (de um deles) que eles, em acordo, houverem escolhido; na falta de acordo prevalece o rito do pai (não o que o pai queria). Mas quem é batizado após completados 14 anos de idade pode escolher a Igreja (Oriental ou Latina) a que quer pertencer.[8] É possível passar do rito latino para outro: o cônjuge latino pode, ao casar ou na constância do casamento, passar ao rito do outro cônjuge; dissolvido o casamento pode retornar à Igreja Latina. Também mediante autorização da Santa Sé é possível essa passagem, e tal autorização se presume se um fiel latino pede para passar para uma Igreja Oriental que conte com uma Eparquia dentro do mesmo território e ambos os Bispos Diocesanos manifestarem a sua concordância.[9] Em ambos os casos os filhos menores de 14 anos acompanham o pai ou a mãe nessa mudança de rito, mas ao completarem 14 anos podem retornar à Igreja Latina.

O costume de participar da Liturgia de certo rito, por mais prolongado que seja, não acarreta adscrição a esse rito.

Essas regras são as da legislação ocidental relativas à pertinência a uma Igreja de direito próprio, mas as normas genéricas para as Igrejas Orientais são análogas (com alguns detalhes a mais). Entretanto, numa perspectiva tipicamente oriental, não é permitido ao marido oriental passar à Igreja Latina em razão de seu casamento com uma mulher latina.

É preciso cuidado para não confundir cristãos orientais com cristãos ortodoxos.  

A certa altura da História as Igrejas autônomas (isto é: não dependentes de outro Patriarcado) da Armênia e da Caldéia, como também a de Alexandria, romperam sua unidade com a Igreja Universal ao assumirem teses doutrinárias divergentes sobre Jesus Cristo: o nestorianismo (dupla personalidade) e o monofisismo (não à dupla natureza), este com sua forma moderada, o jacobinismo. Por motivos menos teológicos houve períodos de ruptura também entre a Igreja de Bizâncio e o Papa, que culminaram com o “grande cisma do oriente”, em 1054 (cisma=corte, separação).

Ocorrida essa última separação, os orientais ligados à liderança bizantina continuaram a chamar a si próprios (e a denominação foi generalizadamente aceita) de ortodoxos (orto=certo; doxa=louvor), uma vez que os outros grupos orientais (nestorianos e monofisitas) não aceitavam a doutrina correta da Igreja; eles sim. Contudo houve grupos da Igreja Copta (de Alexandria) como da Igreja da Armênia, da Igreja da Caldéia, da Igreja Antioquena e da Bizantina, bem como comunidades derivadas dessas, que se mantiveram na unidade da Igreja ou a ela retornaram. Esses, apesar de “ortodoxos” no sentido pleno da palavra, são conhecidos como Orientais Unidos (na Ucrânia: Uniatas), constituindo uma parcela muito pequena do total dos Orientais; os demais são dissidentes.

Os orientais ditos ortodoxos, portanto, não aceitam a autoridade do Papa sobre as suas Igrejas; os demais dissidentes orientais têm, além disso, um problema de doutrina teológica divergente. A busca pela unidade, especialmente junto com os ortodoxos, tem sido intensa nos últimos tempos, com visitas do Papa aos dirigentes ortodoxos e vice-versa. Note-se que os orientais separados têm verdadeiros Bispos e Sacramentos plenamente válidos[10]

As Igrejas Orientais que aceitam o primado do Pontífice Romano e, assim, são reconhecidas como sendo uma «Igreja de direito próprio», são as seguintes:

1. da Tradição de Alexandria:

Copta

Etiópica (copta com elementos bizantinos)

2. da Tradição Antioquena: 

Malankar (Índia)

Maronita  (Líbano)

Síria

3. da Tradição Armênia:

Armênia

4. da Tradição Caldaica ou Sírio-Oriental:

Caldaica – Irak e adjacências

Malabar – liturgia própria

5. da Tradição Bizantina (Constantinopla):

(segundo o Anuário Pontifício)

Albanesa

Bielorrussa

Búlgara

Eslovaca

Greco-Melquita

Grega

Húngara

Ítalo-Albanesa

Macedônia

Romena

Russa

Rutena

Ucraniana

(de Križevci – Croácia)

5. da Tradição Bizantina (Constantinopla)

(segundo outras fontes)

Grego-católica albanesa

Grego-católica bielorrussa

Grego-católica bizantina

Grego-católica búlgara

Grego-católica croata

Grego-católica eslovaca

Grego-católica helênica

Grego-católica húngara

Grego-católica macedônia

Grego-católica melquita

Grego-católica romena

Grego-católica russa

Grego-católica rutena

Grego-católica sérvio-montenegrina

Grego-católica tcheca

Grego-católica ucraniana

(Comunidade Grego-católica georgiana)

Os sistemas litúrgicos dessas Igrejas  podem ser agrupados assim:

1) caldaico

2) siro-malabar

3) siro-ocidental

4) maronita

5) copta

6) etiópico

7) armênio

8) bizantino

Os Melquitas, os Maronitas e os Armênios têm Bispo próprio no Brasil, com sede em São Paulo (o Armênio em Buenos Aires). Os Ucranianos também têm, com sede em Curitiba. Os demais cristãos orientais domiciliados no Brasil têm como seu Ordinário próprio, desde 1951[11], um Bispo Latino, atualmente (desde 28 de julho de 2010) é o Arcebispo Latino de Belo Horizonte[12].

Há atualmente mais Maronitas no Brasil que no Líbano.¨


[1] Mateus 28, 19-20.

[2] Convém ler, a respeito, na Bíblia, o breve Cap. 2 do Livro dos Atos dos Apóstolos. A leitura dos Capítulos sucessivos desse Livro é bastante esclarecedora de como a Igreja se foi desenvolvendo nessa primeira época. 

[3] Alguns outros Bispos (Arcebispos) da Igreja Latina têm o título de Patriarca, mas na Igreja Latina esse título é meramente honorífico, não envolve qualquer jurisdição peculiar: Patriarca de Lisboa, Patriarca Latino de Jerusalém, Patriarca de Veneza.

[4] Em latim: sui iuris.

[5] Cf. Código dos Cânones das Igrejas Orientais (CCEO), Cân. 151, 152

[6] Cf. CCEO, Cân. 155, 174

[7] Cf. CCEO, Cân. 28: O rito é um patrimônio litúrgico, teológico, espiritual e disciplinar distinto pela cultura e pelas circunstâncias da história dos povos, pelo qual se exprime o modo de viver a fé de cada Igreja de direito próprio.  

[8] Cf. Código de Direito Canônico, Cân. 111, 112.

[9] Rescrito da Secretaria de Estado de 26 de novembro de 1992. AAS 85 [1993], p. 81.

[10] Cf. Cân. 844; 1127, § 1.

[11] Decreto Cum fidelium, 14nov1951, da Congregação para as Igrejas Orientais;

[12] Para mais dados sobre as Igrejas Orientais no Brasil, pode ser consultado o site:

http://www.igrejascatolicasorientais.com

O SALMO NA LITURGIA DA PALAVRA

(algumas observações sobre o seu canto)

Entre as alterações trazidas pela reforma litúrgica desencadeada pelo II Concílio Ecumênico do Vaticano está o renascimento do Salmo integrante da Liturgia da Palavra, na celebração da Missa. Estabeleceu já o Concílio[1]:

35. Para se poder ver claramente que na Liturgia o rito e a palavra estão intimamente unidos:

1) Seja mais abundante, variada e bem adaptada a leitura da Sagrada Escritura nas celebrações litúrgicas.

……………..

51. Prepare-se para os fiéis, com maior abundância, a mesa da Palavra de Deus: abram-se mais largamente os tesouros da Bíblia, de modo que, dentro de um período de tempo estabelecido, sejam lidas ao povo as partes mais importantes da Sagrada Escritura.

……………..

121. Os compositores possuídos do espírito cristão compreendam que são chamados a cultivar a música sacra e a aumentar-lhe o património. Que as suas composições se apresentem com as características da verdadeira música sacra, possam ser cantadas não só pelos grandes coros, mas se adaptem também aos pequenos e favoreçam uma ativa participação de toda a assembleia dos fiéis.

Em tal perspectiva, pois, o Gradual, pequeno texto formado por um versículo ou dois de Salmo, em forma de Responsório, que se seguia à 1ª. Leitura no esquema do Missal de 1570, foi substituído, segundo o Ordo Lectionum Missae promulgado em 1969, por um trecho mais longo, de várias estrofes de um Salmo, provido de um Refrão que poderia ser repetido pelo povo entre as estrofes.  

Eis a regra, editada no Missal publicado inicialmente no mesmo ano de 1969, e que está assim na 3ª. edição dita típica:  

«À primeira leitura segue-se o salmo responsorial, que é parte integrante da liturgia da palavra, oferecendo uma grande importância litúrgica e pastoral, por favorecer a meditação da palavra de Deus.

………

De preferência o salmo responsorial será cantado, ao menos no que se refere ao refrão do povo. Assim o salmista ou cantor do salmo, do ambão ou de outro lugar adequado, profere os versículos do salmo, enquanto toda a assembleia escuta sentada, geralmente participando pelo refrão, a não ser que o salmo seja proferido de modo contínuo, isto é, sem refrão.  […]

Se o salmo não puder ser cantado, seja recitado do modo mais apto para favorecer a meditação da palavra de Deus.[2]

É óbvio, pois, que o Salmo é proclamado para que, antes de mais nada, se captem as palavras. O uso de música, conatural à proclamação do Salmo, aparece então como um elemento coadjuvante para que o ouvinte passe, da palavra física, à sua interiorização espiritual, passe do mecânico ao orgânico. Assim, a música só terá algum valor se ela, paralelamente ao efeito modulativo, ressaltar ou aprimorar a enunciação das palavras, ou pelo menos mantiver clara tal enunciação. Caso não o faça, será um valor negativo.

O Salmo está posto, pois, na Liturgia da Palavra, com o sentido de proporcionar, aos fiéis, maior conhecimento de Palavra de Deus e, ao mesmo tempo, um momento de interiorização meditativa da 1ª. Leitura, com a qual se conecta não só pela posição, mas também pelo assunto. Por isso escreveu alguém que o Salmo é um comentário lírico da Leitura que o precedeu.

Por isso o “cantor” do Salmo tem de ser, antes de mais nada, um excelente Leitor.

Ser um bom Leitor pede uma dicção aprimorada, postula uma capacidade de ver no texto um conjunto e não apenas palavras que se sucedem, presume uma sensibilidade para nem se exaltar nem murmurar, exige uma experiência em dosar a distância do microfone (para que o texto não apareça gritado), supõe uma compreensão da Palavra proclamada e uma sintonia com tal Palavra.

Os Salmos são poemas, mas não são canções, no sentido em que esta palavra (e suas equivalentes nas outras línguas) é utilizada hoje. O canto litúrgico amplamente difundido dos Salmos na Igreja Ocidental dá-se na forma conhecida como cantilação[3] (em latim: cantilatio), isto é, com um recitativo com inflexões mediais e terminais, às vezes também iniciais. O ritmo, nessa musicalização, não está predeterminado em relação às palavras: ele corresponderá ao ritmo da frase e das palavras.

Atualmente conhecem-se duas maneiras básicas de cantar Salmos; a recém-mencionada, do tipo consagrado pelo canto gregoriano (do qual o chamado anglicano é uma variante tradicional) e a do tipo Gélineau, surgido logo após a IIa. Guerra Mundial, resultado das pesquisas desse jesuíta francês sobre o modo israelita de cantar (à época do AT) os Salmos.

O estilo gregoriano para os Salmos tem em conta que cada frase do Salmo (chamada de versículo, embora não corresponda aos versículos numerados da Bíblia) é normalmente dividida em duas partes, excepcionalmente em três. Há uma nota básica para o recitativo (alguns chamam tenor, pois nessa nota o canto se detém ou mantém). O início da frase pode dar-se diretamente na nota do recitativo ou em duas ou três (excepcionalmente quatro) notas que conduzem à nota do recitativo, e este conduz ao meio da frase (mediatio) formado por algumas notas (basicamente três) que partem da nota do recitativo e levam à pausa (marcada pelo asterisco), podendo ocorrer um ou dois acentos; a segunda metade começa na nota do recitativo e termina por algumas notas que partem da nota do recitativo e levam ao final da frase; a última dessas notas corresponde à última sílaba tônica (a sílaba ou as sílabas seguintes repetem essa nota).  Se a frase consta de três partes, o final da primeira parte pode ser simplesmente uma pausa ou será uma flexão (numa nota mais baixa que a do recitativo); é a chamada flexa, marcada por uma cruz. A segunda parte, então, termina como se fosse o meio da frase (asterisco), e o canto prossegue até o final da mesma frase ou versículo.  O que acaba de ser dito é apenas um esquema, podem ocorrer peculiaridades.

Com base no estilo gregoriano, a partir da reintrodução da língua do povo na Liturgia da Igreja Ocidental, vieram a ser compostas inúmeras melodias para recitativo; no Brasil, principalmente à época da publicação da Série Povo de Deus, folders para cada domingo e festa publicados pela Editora Vozes. Algumas dessas melodias, realmente valiosas, diversas de autoria de compositores envolvidos no Movimento Bossa Nova, persistiram; outras, não tão felizes, foram saindo de uso. Com o tempo, outras semelhantes foram sendo introduzidas. O mesmo ocorreu, em proporções diversas, em outras línguas.  

É de se lembrar também os recitativos para Salmos utilizados em pelo menos uma das Assembléias Gerais da CNBB, há muitos anos passados, que seguem o modelo gregoriano: introdução, mediatio e fim de frase.  Para a língua italiana, mas adaptáveis à portuguesa, é interessante considerar os da Abadia de Santa Justina (Padova), que, entretanto, foram concebidos para pares de frases (estrofes de 4 versos).

No Hinário Litúrgico – vol. 3: Domingos do Tempo Comum, editado pela CNBB, podem ser encontradas várias das melodias (ou tons) da Série Povo de Deus, antes mencionada, e outras do mesmo modelo.      

O estilo anglicano não difere muito do gregoriano, do qual derivou. O canto, porém, segue com fidelidade o modo normal de falar. As composições normalmente são concebidas a vozes, e as execuções, quando por grupos especializados, em geral a vozes se dão.  A regra quase sem exceção é que o início da frase (do versículo) já é cantado na nota tenor; a mediatio consta de três notas; a finalização da frase se dá em cinco notas; a flexa é apenas uma pausa.  O tenor não precisa ser o mesmo nas duas metades do versículo.Ocorrem cantos compostos para um par de frases ou versículos: a melodia é uma para a primeira frase e outra para a segunda frase, formando um todo; a estrutura de distribuição das sílabas pela melodia, entretanto, é a mesma tanto na primeira como na segunda. Também nessa modalidade de canto a última nota corresponde à última sílaba tônica.[4]

O estilo Gélineau[5] de cantar os Salmos na língua do povo (inicialmente, no caso, o francês) chegou ao Brasil nos anos 50 do século passado (aqui em Porto Alegre por obra principalmente das Irmãs de São José – Colégio Sévigné, com o apoio do então Cônego Alberto Etges e utilização principalmente pela JUC e pelo MFC). Em âmbito nacional foi difundido, com traduções, pela ação da Comissão Arquidiocesana de Música Sacra do Rio de Janeiro em conjunto com a Editora Vozes. Um pouco antes, pois, da retomada da língua do povo na Liturgia, já se cantavam, no Brasil, deste modo, Salmos em Português.

Esse sistema ou esquema baseia-se, como dito acima, no que se veio a descobrir sobre o modo antigo de cantar Salmos na Liturgia Israelita. Leva em conta, basicamente, os apoios naturais que ocorrem, na proclamação do texto, em número de dois (raramente), de três ou de quatro para cada meia-frase (meio versículo). Não o número de sílabas. O canto é então organizado em estrofes, formadas por dois (raramente), três, quatro (as mais das vezes), cinco ou seis versos.  Essas estrofes correspondem à distribuição habitual dos versos sálmicos nas traduções para as línguas modernas.

O ritmo, pois, funda-se nesses apoios (que passaram a ser indicados, nos textos, por sílabas em negrito ou sublinhadas), e as sílabas antecedentes serão proferidas mais ou menos rapidamente de modo a caberem equivalentemente no intervalo entre um apoio e outro.

Assim, enquanto o sistema gregoriano tem como princípio a igualdade básica de duração das sílabas (como também o anglicano), sem retardar-se nas últimas, o sistema Gélineau tem como pressuposto e resultado uma eventual diferença de duração das sílabas, de modo a assegurar o ritmo constante dos apoios.

O sistema Gélineau de tal modo teve aceitação e tanto se difundiu que hoje se podem ouvir Salmos cantados nesse sistema em variadas línguas ocidentais, tanto latinas (castelhano, português, catalão, francês, italiano,…) como anglo-saxãs (especialmente inglês) e eslavas (polonês, por exemplo) e até, como se pode encontrar no Youtube, em línguas do extremo-oriente (coreano, japonês).[6]

O Livro Liturgia das Horas – Música, publicado em dois volumes pela Ed. Vozes, contém numerosas propostas de canto para os Salmos baseadas no sistema Gélineau, com melodias agora de outros autores.

No Hinário Litúrgico – vol. 3: Domingos do Tempo Comum, editado pela CNBB, já antes referido, também podem ser encontradas várias formas estróficas semelhantes às do Rev. Gélineau.

A tradução dos Salmos que figura nos Lecionários e na Liturgia das Horas para o Brasil está, toda ela, apresentada com o sistema rítmico pronto para o canto segundo o sistema Gélineau, ou seja, com a apresentação em estrofes e a indicação das sílabas de apoio.       

Composições que apresentem inflexões numerosas e variadas para cada metade do versículo, e ainda para versículos sucessivos, acabam por deturpar a característica fundamental da proclamação litúrgica dos Salmos, que é o recitativo, a cantilação, onde o importante é a palavra bem enunciada e não uma melodia rebuscada.

A página que segue, embora se refira ao estilo anglicano de cantar os Salmos, vale correspondentemente, de modo especial quanto ao ensaiar, para as fórmulas brasileiras (e mesmo de outras línguas) assemelhadas ao gregoriano e ao anglicano (que, como dito acima, é um derivado do gregoriano).

PRINCÍPIOS PARA O CANTO CHAMADO DE “ANGLICANO”[7]

Constitui consenso, atualmente, que bem cantar é, antes de mais nada, ler bem em voz alta: os ritmos do falar natural são tão essenciais no canto dos Salmos e Cânticos como na sua proclamação sem canto.

As notas de uma melodia de canto, nessa modalidade conhecida como «canto anglicano», não têm outra duração, em si mesmas, que a do ritmo das sílabas correspondentes ao canto. O canto não tem um ritmo fixo próprio, ao qual as sílabas seriam adaptadas, e todos os seus «compassos» (que na verdade não o são…) possuem duração sempre variável, às vezes de duas batidas, às vezes de três, às vezes de uma só, fraca. A partitura de um canto, com uma nota inteira (semibreve) para cada recitação, é puramente convencional. Se a recitação consiste em apenas uma sílaba átona (como a conjunção e), a nota cantada deve ter apenas a duração de tal sílaba átona, como se fosse lida.  Se, ao contrário, o verso começa com uma longa recitação, como, por exemplo, no Glória, a linha Senhor Deus, Cordeiro de Deus,…a nota inteira (semibreve) representa a leitura sem pressa das oito sílabas, com suas tônicas naturais apenas, e nenhum outro acento ou apoio.[8]

As notas das duas cadências não indicam qualquer frenagem na leitura natural, tranquila, das palavras correspondentes, nem qualquer acréscimo de algum acento musical aos apoios naturais de uma boa leitura.

Falhas na obtenção de um bom canto resultam de falhas do mestre de canto em ensinar os seus dois princípios básicos:

• o andamento da leitura é o mesmo tanto nas recitações (numa mesma nota) como nas inflexões;

• os apoios (acentos) são unicamente os de uma leitura bem feita.

Um bom método para ensinar com êxito esses princípios é o seguinte:

Faça os cantores lerem junto as palavras do primeiro verso do Salmo ou Cântico, de modo distinto e natural, de acordo com o sentido da frase.  Repita, se necessário, até que o verso esteja sendo lido adequadamente.  A seguir, faça ler o mesmo verso em um único tom (recto tono), precisamente no mesmo ritmo e com os mesmos apoios.

O instrumentista então tocará a melodia, preferivelmente com a primeira nota de cada parte como se fosse uma mínima e não uma semibreve como está escrito.

Só então faça o conjunto cantar o verso precisamente no mesmo ritmo, com os mesmos apoios, e com o mesmo cuidado em observar o sentido.

Um cântico assim aprendido, ou reaprendido, verso por verso, não se desintegrará em uma simples reiteração de um ritmo descuidado e mecânico, desligado do sentido das palavras.

Bem cantar um Salmo é exatamente ler, com inteligência, sobre tons sonoros.


[1] Constituição Conciliar sobre a Sagrada Liturgia: Sacrosanctum Concilium, números indicados.

[2] IGMR, 2000-2002, n° 61

[3] Sobre este termo pode-se consultar, na Web, entre outros sites:

http://www.pastoraldamusica.com.br/formacao/cantilacao-salmo-responsorial-musica-cia-21-01/  http://en.wikipedia.org/wiki/Cantillation

[4] Exemplos de canto anglicano são numerosos no Youtube. Podem ser ouvidos e vistos, p. ex., em:

[5] Joseph Gélineau nasceu em 31 de outubro de 1920 e faleceu em 8 de agosto de 2008. Atuou como Perito junto ao II Concílio do Vaticano. Além do seu trabalho com os Salmos, atuou também na redescoberta e reintrodução de outras formas de canto litúrgico: hino, tropário, cântico, recitativo. Colaborou por cerca de sessenta anos com a Comunidade de Taizé.   

[6] Nos sites abaixo podem ser ouvidas gratuitamente amostras de Salmos com melodias do Rev. Gélineau (e baixadas, mediante pagamento, as execuções integrais):

http://itunes.apple.com/us/album/psaumes-de-joseph-gelineau/id423783296

http://www.qobuz.com/album/traditionnel-psaumes-de-joseph-gelineau/3133580130625  

No site que segue, pode ser ouvido integralmente o Salmo 22 (23), em inglês:

[7] Tradução adaptada de texto constante do Hymnal 1940 da Igreja Anglicana dos Estados Unidos da América.

[8] Pode às vezes ocorrer que, em função da brevidade do meio-verso, a nota de recitação deva ser omitida, indo-se diretamente à cadência. É o caso, por exemplo, no Glória, com …só vós o Senhor.

A DEFENSORIA DO VÍNCULO MATRIMONIAL NOS TRIBUNAIS ECLESIÁSTICOS

  • Susana Villas-Bôas Vieira

I. REFERÊNCIAS HISTÓRICAS

1. Preocupado com abusos cometidos em processos de nulidade matrimonial, o Papa Bento XIV, através da Constituição Apostólica Dei Miseratione, de três de setembro de 1741[1], introduziu na sistemática do processo canônico a figura do Defensor do Vínculo.

Ordenou, pois, que cada Diocese constituísse um ofício, que denominou matrimoniorum defensor,aos efeitos de que as causas matrimoniais canônicas fossem confiadas somente a pessoas de alto nível intelectual e moral. Esse ofício deveria ser desempenhado por pessoas idôneas, probas e profundamente conhecedoras da Ciência do Direito.

O assim chamado Defensor dos Matrimônios, ou Defensor do Vínculo, deveria tomar parte no processo canônico de nulidade matrimonial com o objetivo de assistir ao exame das provas formuladas pelas partes, podendo inclusive aportar novas provas, defender o vínculo e, se fosse o caso, apelar para a instância superior. Suas funções estavam, pois, diretamente relacionadas com a defesa da validade do matrimônio em face das pretensões de nulidade das partes privadas interessadas.

O art. 7, § 1 da Bula Dei Miseratione estabelecia que o Defensor do Vínculo pars necessaria ad iudicii validitatem et integritatem censeatur (seja considerado parte necessária para a validade e integridade do processo).

Foi-lhe concedido o privilégio de apelar da segunda sentença afirmativa de nulidade, prerrogativa que permaneceu íntegra até a vigência do atual Código. No de 1917, foi conservada, no Cân. 1987, como faculdade de agir pro sua conscientia. Somente no atual Código de Direito Canônico o regime de apelação das sentenças matrimoniais recebeu tratamento próprio no Cân. 1628 e seguintes.

Aparecia ele, na época, como um Servidor do Tribunal, como parte passiva necessária. Como parte pública, porém, detinha uma verdadeira e específica missão processual: o interesse público da Igreja de somente ver declarados nulos os matrimônios nos casos em que, efetivamente, ficasse comprovada a nulidade.

Nasceu, assim, a figura processual do “defensor dos matrimônios”. Através do ofício público em que era constituído, tinha o dever jurídico legal de tutelar o vínculo matrimonial nas causas em que sua validade era questionada.

2. Em 22 de agosto de 1840 a Instructio pro confectione processus in causis matrimonialibus, da Sagrada Congregação do Concílio[2], além de manter as funções regulamentadas pela Dei Miseratione, disciplinou a obrigatoriedade de citação do «defensor do matrimônio» igualmente nas hipóteses de dissolução matrimonial.

3. Já a Instructio ad Patriarchas, Archiepiscopos, Episcopos rituum orientalium in causis matrimonialibus adhibenda,[3] da Sagrada Congregação do Santo Ofício, de 20 de junho de 1883, dirigida às Igrejas Orientais, pela primeira vez utiliza a expressão Defensor Vinculi. Mais tarde ela foi aceita e empregada também por toda a Igreja Latina.

4. O primeiro Código de Direito Canônico, em 1917, mediante as regras que estabeleceu nos Cân. 1868 e 1869, converteu o Defensor do Vínculo em uma espécie de Instrutor do processo. Foram-lhe concedidas tais iniciativas e faculdades que acabou colocado numa posição de superioridade jurídica ante o julgador[4].

O mesmo Código de 1917 incorporou a figura do Defensor do Vínculo nas causas em que se examina a nulidade do vínculo da sagrada ordenação[5], com as mesmas obrigações e os mesmos direitos processuais do defensor do matrimônio.

Acentuou-se, pois, desde então, a natureza jurídico-processual do Defensor como parte privilegiada.

5. Já em 1944, entretanto, o Sumo Pontífice (Pio XII) advertia que, ainda que o papel processual do Defensor do Vínculo fosse o de defender a validade do vínculo matrimonial, ele não haveria de, necessariamente, atuar contra a nulidade. Deveria, sim,  atuar sempre pro rei veritate.

6. As Normas que regem o Tribunal Apostólico da Rota Romana[6], aprovadas pelo Papa São João Paulo II em 7 de fevereiro de 1994 e vigentes a partir de 1° de outubro do mesmo ano, prevêem no art. 29 que «o Defensor do Vínculo deve intervir em todas as causas em que se trate de nulidade de ordenação sagrada ou de matrimônio, ou de dispensa super rato, de acordo com as prescrições do Código», e que «os Defensores do Vínculo se farão presentes no Tribunal, além dos dias pré-estabelecidos em escala, sempre que convocados em suas causas». O art. 30 estabelece ainda que, «sempre que algum dos Defensores do Vínculo estiver impedido de atuar, o Decano designará outro deles». Outros dispositivos das mesmas Normas referem-se também ao Defensor do Vínculo, como por exemplo o art. 83, que estabelece que «o Defensor escreverá seus argumentos após apresentados os dos Patronos das partes».

7. Já as Normas que regem o Tribunal da Assinatura Apostólica,[7] aprovadas pelo Papa Bento XVI em 21 de junho de 2008, prevêem semelhantemente que «o Defensor do Vínculo deve intevir nas causas e assuntos em que se trata de nulidade de ordenação sagrada ou de nulidade ou de dissolução de matrimônio. Nesses casos sua intervenção é evidentemente exigida, mas, além desses, o Secretário decidirá se ele deve intervir ou não. Cabe-lhe, em razão do ofício, propor e expor «tudo o que razoavelmente possa ser trazido contra a nulidade ou dissolução.» (art. 8°, §§ 1 e 2).

8. Se já em 1944 o então Papa Pio XII advertia que o Defensor do Vínculo não haveria de atuar, necessariamente, contra a nulidade, mas sim,  sempre, atuar pro rei veritate, o Papa Francisco, ao dirigir-se à Plenária do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, em novembro de 2013[8], enfatizou a importância do Defensor do Vínculo, a fim que «possa facilitar a obtenção da verdade na sentença definitiva, a favor do bem pastoral das partes envolvidas», destacando que «o Defensor do Vínculo que deseje realizar um bom serviço não pode limitar-se a uma leitura apressada dos autos, nem a respostas burocráticas e genéricas. Em sua delicada tarefa  – acrescentou –  é chamado a procurar harmonizar as disposições do Código de Direito Canônico com as situações concretas da Igreja e da sociedade». «O Defensor do Vínculo não está em oposição ao juiz; na verdade os juízes podem encontrar, no trabalho cuidadoso de quem defende o vinculo matrimonial, uma ajuda para a própria atividade». 

II. O DEFENSOR DO VÍNCULO NA 1ª. INSTÂNCIA, NO DIREITO VIGENTE

1. Natureza do Ofício e sua disciplina jurídica

O Defensor do Vínculo matrimonial canônico é compreendido como um ofício público estável, concebido estruturalmente de forma independente, não se constituindo como órgão do tribunal, como em algum momento do passado se chegou a afirmar.

Acha-se disciplinado pelo Código de Direito Canônico, entre os Cânones 1432 e 1436 a cuja  prévia e atenta leitura remete-se o leitor. Na Instrução Dignitas connubii,[9] do Conselho Pontifício para os Textos Legislativos, os artigos 53 a 60 tratam da figura.

De sua compreensão sistemática podem ser extraídas as seguintes conclusões:

2. Quanto a sua constituição:

É obrigatória. O legislador dispôs: constitua-se na Diocese.

Em todo o processo em que se demande a respeito do bem público eclesiástico do matrimônio, o exercício das funções de Defensor do Vínculo é cogente.

As Dioceses deverão constituir seus próprios ofícios de Defensor do Vínculo, o que pressupõe uma base territorial de atuação.

A escolha é de competência privativa do Bispo, em nomeação submetida ao critério de confiança (ad nutum) entre integrantes do clero ou fieis leigos que satisfaçam aos pressupostos legais de titulação e de capacitação técnica, de reputação moral e de conceituação em prol da justiça.

Tratando-se, porém, de Tribunal Interdiocesano, a nomeação cabe ao Grupo de Bispos a que o Tribunal serve (salvo que se tenha disposto expressamente de modo diverso, por exemplo no ato de constituição do Tribunal), mas em caso urgente (e só nesse) o Bispo Supervisor do Tribunal pode nomeá-lo, entretanto apenas até que o Grupo de Bispos o providencie (Dignitas connubii, art. 34; Cân. 1423, § 1).

Cumpre observar mais uma vez que o Ofício de Defensor do Vínculo não é um dos Ofícios integrantes do Tribunal: o Defensor do Vínculo existe para atuar junto ao Tribunal, não estando, por isso mesmo, subordinado ao Vigário-Judicial, a não ser no sentido de que este sempre poderá dele exigir que atue de acordo com a Lei, especialmente no que tange às normas processuais.

Definido o Defensor do Vínculo como ofício, subjaz a ideia de pluralismo, podendo uma ou várias pessoas ser em tal ofício investidas. De sua vez a nomeação é dita estável porque se dirige à universalidade dos processos em tramitação no tribunal diocesano. São também, entretanto, admitidas nomeações singulares para um determinado processo durante toda a sua tramitação.

3. Quanto ao objetivo:

Como dito, o ministério do Defensor do Vínculo surgiu e se mantém com o objetivo de tutelar o bem público, no caso o matrimônio, enquanto submetido a exame judicial, na medida da razoabilidade do que puder ser aduzido em defesa do vínculo matrimonial.

As ações, em concreto, em que deverá atuar, são as especificadas pela lei: nulidade, dissolução de matrimônio não consumado.

4. Quanto à competência:

O Código vigente, ao definir a missão do Defensor do Vínculo, atribui-lhe a obrigatória competência de propor e expor tudo o que razoavelmente possa ser dito em favor da validade do compromisso matrimonial, em oposição à pretensão dos cônjuges, ou de um deles (Cf. Cân. 1432).

O critério da razoabilidade é trazido como decorrência do moderno entendimento de que o Defensor do Vínculo deve agir, sempre, em busca da verdade. O Defensor do Vínculo sustentará a validade sempre que possa fazê-lo sem tangenciar o absurdo, conforme o ensinamento, antes referido,  do Papa Pio XII.

Sua função é de colaborador na busca da verdade; deve agir pro rei veritate.

5. Quanto à função processual:

A postura processual do Defensor do Vínculo é, em princípio, de oposição à nulidade ou à dissolução; por isso jamais lhe cabe a iniciativa de propor a demanda.

Sua atuação processual não pode ser confundida com a de decisão. Ao contrário, sua função no processo é análoga à de parte que, no processo suscitado por um ou por ambos os cônjuges ou pelo Promotor de Justiça, aporta, alega e busca provar tudo o que,  em confronto com a verdade, possa apoiar a validade do matrimônio.

Ou seja, compõe o contraditório do processo, eventualmente com a parte demandada, com a função única de opor-se ou de resistir à pretensão.

Por certo que, quem se opõe ao que é pretendido numa demanda ajuizada perante um juiz ou um tribunal, a ele oferece resistência ou se contrapõe. E, ainda que sua presença seja tardia, pode formular o contraditório porque é parte.

O conceito jurídico-processual de parte é entendido como aquela função que permite, ao seu titular,  o exercício de uma atitude formal dentro do processo,  sem levar em consideração o título que a legitima ou a sua exata posição processual.

Ser parte de um processo é estar legitimado à prática dos atos que permitirão a comprovação, ou não, do alegado, mediante argumentos e produção de provas pertinentes a sua posição processual.

De sua vez, o conceito jurídico de «ser parte» não se confunde com o direito que a parte traz a exame do juiz ou tribunal. Este direito será dito na prestação jurisdicional a partir do julgamento afirmativo ou negativo; se o título for, respectivamente, legítimo ou não.

Na triangularização da relação processual, o juiz se situa no vértice superior e, nos ângulos de base, as partes demandante e demandada, geralmente em oposição. O Defensor do Vínculo situa-se, por excelência, na parte passiva, demandada ou opositora da relação jurídico-processual que se estabelece, e isso sob pena de nulidade do processo. E’ parte passiva obrigatória. Jamais detém o direito de iniciativa da ação. Atua tão só quando demandado.

Na hipótese de o cônjuge demandado oferecer resistência à pretensão do demandante, irá assumir a posição de litisconsorte passivo do Defensor do Vínculo. Nunca o contrário porque a presença do Defensor do Vínculo, como parte passiva pública é obrigatória e a do particular é facultativa.

Quando, entretanto, em que pese ser demandado, o cônjuge vem a juízo para aduzir seus próprios fundamentos ao pedido do cônjuge demandante, sem lhe oferecer resistência, ele na verdade concorda com os fins do processo e quer, apenas, ver suas razões de nulidade também ponderadas. Nesse caso, não presta assistência litisconsorcial ao Defensor do Vínculo, que permanece, então, o único opositor.

A função de oposição é, pois, preponderantemente, do Defensor do Vínculo, eis que lhe compete fazer prevalecer a presunção de validade do matrimônio sempre que puder fazê-lo mediante razoáveis ponderações.

Subjetivado que seja um matrimônio em juízo, cabe ao Defensor do Vínculo, para justificar sua assertiva, a produção de toda a sorte de prova legítima bem assim sua participação na produção de prova da parte adversa.

6. Quanto à natureza de parte:

No contexto do estudo do Defensor do Vínculo como parte processual passiva há que se salientar, ainda, ser ele uma parte pública.

Em que pese nomeado pela autoridade máxima da Diocese, o Defensor público não é órgão do tribunal. Exerce, em paralelo, um múnus público, um ofício público na medida que sua missão é a tutela de um bem público eclesiástico, na busca da verdade: pro rei veritate. Não pode atuar contra a verdade.

O papel desempenhado pelo Defensor do Vínculo é o de coadjuvante ao papel principal da autoridade da Igreja na prevalência do bem público sobre os interesses particulares.

O legislador canônico quis assim proteger o sacramento do matrimônio, concedendo-lhe a garantia processual do Defensor do Vínculo como parte passiva pública, legitimada a opor-se à pretensão de nulidade sempre que, para tanto, tiver motivos razoáveis.

Na lição de São João Paulo II o Defensor do Vínculo é um colaborador da Igreja na busca da verdade, tal como o são as partes a partir de suas posições particulares. Não cabe a ele decidir sobre prós e contras. Isso só cabe ao juiz.

7. Quanto à tutela do bem público eclesiástico:

Merece destaque a tutela do bem público eclesiástico: matrimônio. Nas ações ditas matrimoniais é sempre o bem público eclesiástico a causa de postular, a causa de defender, a causa de julgar. É o objeto da demanda, a razão pela qual se forma a relação jurídico-processual.

Todos, no processo, sem distinção de intensidade, buscam a tutela do bem público eclesiástico do matrimônio; têm como fim último sua correta e verdadeira formação no interesse do resguardo da sacramentalidade do ato, do crescimento da humanidade e do cumprimento de sua Aliança Divina. Por certo é o que por  óticas distintas traz a segurança de que o ato final, a sentença, foi resultado de avaliação de todos os fatores, sob todos os seus prismas.

O Juiz, como genuíno representante da Igreja, examinará os fatos e os fundamentos aduzidos, apreciará a prova produzida e firmará a convicção moral de que a situação aportada a exame pelas partes particulares se consubstancia em uma união conjugal, na conformidade dos preceitos naturais e canônicos, ou não.

Quando afirma a nulidade está, em primeira e essencial função, protegendo o bem público eclesiástico, pois está ditando que, naquele caso concreto, o vínculo não ocorreu, em que pese toda a possível e eventual aparência.

As partes demandantes, sob a ótica de seus interesses (sofrimentos) pessoais, por estarem absolutamente inseridas na comunidade do Povo de Deus,  não fazem outra coisa senão trazer a verdade intrínseca em que ocorreu o consentimento, para demonstrarem que não foi prestado com o correto conhecimento, com a  inteira liberdade e com a  plenitude da vontade que tipificam o pacto especial de consórcio de vida toda.

Buscam, à unanimidade, reconciliar-se integralmente com a Igreja. Querem, cem por cento, integrar-se na comunidade. Em alguns casos, fazem-no na esperança de que, com maior discernimento, possam fazer nova e acertada escolha, pois atendem ao chamado de constituírem uma família. Ou, até, de legitimar uma escolha já em curso ou, mesmo, para atenderem a uma vocação a outro estado de vida.

Mas, sempre e incansavelmente, perseguem o bem público eclesiástico; estar em juízo, demandando a declaração da nulidade matrimonial, para as partes particulares, é estar na defesa do bem público eclesiástico na medida em que suscitam, àquela situação posta a exame e julgamento à luz da Igreja, a inviabilidade de lhes ter ela concedido os arrimos e as graças matrimoniais e, portanto, precisa ser declarada nula para que uma  situação verdadeira possa preencher o espaço.

As partes privadas têm o direito e o dever do exercício processual como a lei lhes oportuniza: de impulsionar a ação, mediante seu comparecimento formal, de promover todos os atos capazes de sustentar suas alegações, de provar, de impugnar, etc., sob pena de, não o fazendo, sofrerem as consequências de sua inatividade processual.

O Defensor do Vínculo, no seu papel de coadjuvante da Igreja institucional e sob sua ótica de missão processual da salvaguarda do matrimônio, tem a obrigação processual de tutelar o bem público em questão. Sua presença não é facultativa. É cogente, sob pena de nulidade do procedimento a partir de quando deveria tê-lo integrado e não o fez.

Todos os atos processuais lhe são franqueados. Não apenas aqueles que a parte demandante requer, mas também todos os que entender necessários dentro da abrangência do princípio pro rei veritate. Não apenas comparecer às audiências, mas igualmente produzir provas, impugnar decisões injustas (injustas a seu ver), pretender, formular alegações, apresentar contraprovas, etc., observado sempre o limite do razoável.

8. Quanto à igualdade processual:

Para firmar posição e pôr fim a indagações sobre a natureza processual do Defensor do Vínculo, o novo Código atribuiu-lhe, no processo, as mesmas oportunidades e os mesmos atos facultados às partes stricto sensu.

Com isto pretendeu, acolhendo o princípio da igualdade entre as partes processuais, pôr fim à antiga afirmação de que o Defensor do Vínculo era parte privilegiada. Houve tempo, realmente, em que o Defensor do Vínculo deteve, por exemplo, o privilégio recursal de poder apelar pela segunda vez da sentença afirmativa de nulidade, enquanto às partes particulares tal benesse não alcançava na hipótese inversa.

O princípio da igualdade das partes há de ser entendido, é claro, guardadas as devidas posições processuais. Ou seja: é a equidade no tratamento processual, onde toda pretensão terá sempre garantida a possibilidade de oposição.

Em que pese a doutrina afirmar a inexistência de privilégios processuais ao Defensor do Vínculo, há todavia pelo menos duas situações, previstas pelo legislador, que efetivamente lhe conferem um tratamento diferenciado em relação às partes particulares.

A primeira é a previsão do Cân. 1433 do CIC, quando excepciona a possibilidade de falta oportuna da citação do Defensor do Vínculo ser suprida pelo exercício, até de fato, das funções, ao menos pela compulsação dos autos antes de ser proferida a sentença; a segunda é a  previsão de o Defensor do Vínculo oferecer nova réplica, ou seja, tréplica, às Alegações Finais das partes, ditada pelo Cân. 1603, § 3, quando tal oportunidade as partes particulares só terão se entendida  pelo Juiz a prévia justificação de gravidade.

9. Quanto à estabilidade do ofício:

Oofício do Defensor do Vínculo sugere que sua nomeação seja concedida para o exercício em todos os processos em curso perante o tribunal diocesano (ou interdiocesano, quando for o caso).

Admitem-se, todavia, nomeações singulares, em que determinado profissional seja para tanto nomeado em um processo determinado e que acompanhe todo o desenvolvimento de tal processo.

III. AS NOVAS NORMAS PARA O PROCESSO MATRIMONIAL CANÔNICO E A PRESENÇA DO DEFENSOR DO VÍNCULO

O processo matrimonial canônico recebeu de S. S. o Papa Francisco, através do Motu Proprio Mitis Iudex Dominus Iesus (MIDI)[10]promulgado em 2015, uma parcial mas significativa reforma, quer quanto à celeridade processual, quer quanto ao acréscimo do Rito Mais Breve, quer, ainda, quanto à avaliação da prova testemunhal e dos depoimentos das partes.

Podemos esquematizar assim a participação do Defensor do Vínculo na nova sistemática processual referente à ação declaratória de nulidade matrimonial:

1. Apresentada a petição com que a parte (ou ambas as partes) pretendem dar início ao processo de declaração de nulidade de seu matrimônio, habitualmente chamada de libelo,  o Vigário Judicial deve  — se entender que a mesma goze de fundamento jurídico e que satisfaça aos pressupostos formais legais, considerada também a competência de foro, a legitimidade das partes,  e  a irreparabilidade da convivência conjugal —  admitir a demanda e ordenar que, com uma cópia do libelo  (petição inicial) seja notificado o Defensor do Vínculo e, a não ser que ele tenha sido assinado por ambas as partes, com outra cópia seja notificada a parte demandada.

Em que pese omissão quanto ao prazo, relativamente ao Defensor do Vínculo, mantido o tratamento equitativo das partes, como princípio norteador da justiça processual entre elas, há de ser dado a ambas (parte demandada e Defensor do Vínculo) igual prazo de quinze dias para exprimirem suas respectivas posições relativamente ao pedido  feito na petição inicial.

Cabe esclarecer que, embora o texto legal não utilize o termo citação, essa ciência que é dada à outra parte e ao Defensor do Vínculo constitui a citação (Cân. 1508). 

2. Se a parte demandada não responder, pode o Vigário-Judicial, se assim considerar oportuno, mandar intimá-la de novo a que manifeste sua posição relativamente ao pedido, admoestando-a sobre a importância de sua participação, atribuindo-lhe prazo preclusivo.

3. Esgotado o único ou o segundo prazo, o Vigário-Judicial deverá ainda, se julgar oportuno, ouvir o Defensor do Vínculo, caso este não tenha se manifestado ainda.

4. Após o decurso do(s) prazo(s) de manifestação (ões) das partes (demandada e Defensor do Vínculo) é que o Vigário Judicial, por decreto, irá: (a) determinar a «fórmula da dúvida» (ou seja, estabelecer os limites da lide nesse processo) e (b) decidir qual o rito processual que a causa deverá ser tratada.

Até aí, pois, vê-se que o Defensor do Vínculo tem a seguinte participação:

– tomar conhecimento da admissão da demanda;

– tomar conhecimento da resposta da parte demandada;

– manifestar-se  sobre o pedido antes do estabelecimento da  «fórmula da dúvida» e da definição do rito processual;

5. Ao estabelecer a «fórmula da dúvida» o Vigário-Judicial deverá também decidir se a causa deverá ser tratada mediante o  processo ordinário ou mediante o processo mais breve, nos termos dos câns. 1683-1687.

Se decidir que a causa deverá ser tratada mediante o Processo Ordinário, o Vigário-Judicial, no mesmo decreto, disporá sobre a constituição do Colégio de Juízes ou, tratando-se de Processo Mais Breve, designará o Juiz  Instrutor e os assessores). Esse Decreto deve ser imediatamente notificado às partes e ao Defensor do Vínculo

 O Vigário-Judicial deverá, em quaisquer das hipóteses, aguardar o transcurso de dez dias para eventual recurso de qualquer das partes ou do Defensor do Vínculo a respeito da delimitação da lide.

Transcorrido esse prazo sem a interposição de qualquer recurso, o Vigário-Judicial, no caso do Processo Ordinário,  enviará os autos ao Juiz-Relator, já cientificado da constituição do Colégio judicante, e este decretará a abertura da fase instrutória.

6. Ao Defensor do Vínculo, devidamente intimado, caberá então:

a) em tempo oportuno, apresentar as provas que julgar cabíveis e, se testemunhal, os quesitos de interrogação;

b) se assim o desejar, preparar quesitos para o interrogatório das partes e das testemunhas por elas arroladas e estar presente em tais interrogatórios, quando também poderá propor ao Juiz-Instrutor novas perguntas a umas e outras; por isso deverá ser intimado da realização de todas as inquirições;

c) ter registrada nas atas de audiências a data da sua intimação e sua presença ou ausência.

7.  Visando a encerrar a fase instrutória do processo ordinário, na qual terão sido colhidos os depoimentos das partes e das testemunhas por estas arroladas, e integradas nos autos outras provas eventualmente apresentadas, o Juiz-Relator decretará a Publicação dos Autos, concedendo às partes e ao

Defensor do Vínculo prazo (que já fixará) para que, compulsando os autos na Secretaria do Tribunal, possam apresentar pedidos de complementação de provas antes da conclusão da causa.

8. Ao Defensor do Vínculo, pois, caberá, nessa oportunidade, compulsar os autos e, se entender necessário ou útil, requerer outras provas, além das já constantes dos autos. 

Na eventual coleta ou produção de provas complementares, quer requeridas pelas  partes, quer por ele próprio, o Defensor do Vínculo exercerá as mesmas atribuições que lhe couberam anteriormente. 

9. Produzidas as provas complementares ou não requeridas, o Juiz Relator decretará a Conclusão da Causa  e a abertura da Fase Discussória, concedendo prazo (que fixa) para as partes, inclusive o Defensor do Vínculo, apresentarem suas alegações[11] ou razões finais.  

10. Apresentadas as alegações ou razões finais, o Juiz-Relator fixará um prazo breve para que as partes particulares e o Defensor do Vínculo apresentem, querendo, réplicas a elas. Mesmo que a parte não tenha apresentado suas alegações ou razões, tem ela direito a tal réplica ao que tenha sido manifestado pelo Defensor do Vínculo.

11. Apresentada alguma réplica ao arrazoado do Defensor do Vínculo, tem este direito a uma tréplica, cabendo ao Juiz-Relator fixar, para tanto, um breve prazo. Verifica-se aqui um dos momentos processuais em que é atribuído ao Defensor do Vínculo se não um privilégio, como não quer a doutrina, ao menos um tratamento especial: pode ele, sem qualquer justificativa, apresentar novo arrazoado contrapondo-se à réplica da parte, ou às réplicas das partes; é a chamada tréplica. Às partes particulares tal faculdade somente é dada se, mediante pedido fundamentado, o Juiz entender a questão como grave.

12. Julgada a ação, a correspondente sentença deve indicar de que modo se poderá interpor e prosseguir eventual apelação, quer das partes privadas quer do Defensor do Vínculo, e a sentença também a este deve ser notificada (Dignitas connubii, arts. 257, § 2 e 258, § 2).   

13. Tanto ambas as partes como o Defensor do Vínculo, uma vez recebido o exemplar da sentença, têm o direito de interpor querela de nulidade da sentença proferida em 1ª. instância bem como de apelar para o Juiz superior; tal apelação há de ser interposta perante o Juízo que proferiu a sentença impugnada ou apelada (Cân. 1628-1640). A parte, como também o Defensor do Vínculo, se for este o apelante, devem indicar, no prazo de um mês, perante o Tribunal ao qual o recurso foi dirigido, as razões da apelação.

14. Se, porém,  o Vigário-Judicial decidir que a causa deverá ser tratada mediante o  Processo Mais Breve,  a atuação do Defensor do Vínculo ocorrerá, segundo as disposições do MIDI/2015:

a) na apresentação (por escrito), no máximo até três dias antes da sessão de instrução, dos “pontos dos argumentos” sobre os quais é desejada a inquirição das partes e das testemunhas;

b) na presença à sessão (em princípio única) de coleta de provas (Cân. 1685), para comparecer à qual deverá ser intimado;

c) na apresentação, no prazo de 15 dias após tal sessão, de manifestação em favor do vínculo (Cân. 1686, § 1), antes do relatório ao Bispo;

d) na intimação da sentença (Cân. 1686 § 2.);

e) na possibilidade de recorrer (Cân. 1686 § 3).

II. ATUAÇÃO DO DEFENSOR DO VÍNCULO NA 2ª. INSTÂNCIA

Cabe lembrar, inicialmente, que a partir do início da vigência do Motu Proprio Mitis Iudex Dominus Iesus não mais existe o reexame necessário, por um Tribunal superior, das sentenças de 1ª. instância favoráveis à nulidade.

A sentença que em primeiro lugar declarou a nulidade do matrimônio, expirados os prazos estabelecidos nos Cân. 1630-1633 torna-se executiva (Cân. 1679, nova redação). Trata-se dos prazos para interpor apelação e para lhe dar prosseguimento perante o Tribunal de instância superior.

Assim, somente intercorrendo apelação voluntária ou querela de nulidade perante Tribunal superior, a exequibilidade da sentença declaratória de nulidade ficará em suspenso.

No Tribunal a que a apelação foi dirigida, uma vez constituído o Colegiado,  o Defensor do Vínculo respectivo (que deverá ser designado se não for único) deverá apresentar, assim como as partes, suas observações, e isso dentro do prazo que o Tribunal estabelecer.

Recebidas tais observações (ou omisso quem deveria apresentá-las), o Colegiado poderá, se entender que a apelação foi manifestamente apenas dilatória, confirmar a Sentença de primeira instância simplesmente mediante Decreto, deixando de lhe dar ulterior andamento.

De resto, no Tribunal ao qual a apelação foi endereçada, observar-se-á o mesmo procedimento previsto para a primeira instância, notando-se que ao ensejo da apelação pode ser requerida a introdução de um novo caput de nulidade; nesse caso o Tribunal, com a apelação, pode admiti-lo e julgar, nessa perspectiva, como se fosse em primeira instância. Afora tal hipótese, na instância de apelação não ocorre, em regra, fase probatória; a exceção é a prevista no Cân. 1600.  

Vê-se, pois, que ao Defensor do Vínculo junto ao Tribunal de 2ª. instância cabe, uma vez designado, apresentar observações sobre a apelação interposta e, caso admitido um possível novo caput de nulidade, atuar nos mesmos moldes em que atuaria na 1ª. instância, como foi explicitado acima. Se, excepcionalmente, ocorrer fase probatória, ele atuará como atuaria, em tal fase, na 1ª. instância.

RESUMO ESQUEMÁTICO DO  QUE  CABE AO  DEFENSOR DO VÍNCULO  NOS  PROCESSOS QUE VISEM À  DECLARAÇÃO  DE   NULIDADE DE MATRIMÔNIO

I. SEMPRE:

1. Quando o Vigário-Judicial admitir a demanda, ser citado, recebendo uma cópia da petição inicial.

2. Manifestar (dentro do prazo de quinze dias da citação) sua posição relativamente ao pedido feito na petição inicial, inclusive quanto à delimitação da lide e ao rito processual a ser adotado.  

3. Ser notificado sobre a constituição do Colégio de Juízes (ou a nomeação do Juiz-Instrutor e Assessores, no caso de opção pelo processo mais breve).

4. Recorrer, se entender cabível, a respeito da delimitação da lide, no prazo de dez dias.

II. NO CASO DE PROCESSO ORDINÁRIO:

5. Apresentar, no devido tempo, as provas de que dispuser, bem como quesitos para inquirição de testemunhas e partes.

6. Fazer-se presente nas inquirições de testemunhas e partes.

7. Compulsar os autos após coletadas as provas até então requeridas, ponderando sobre a eventual necessidade de complementação.

8. Requerer, então, se for o caso, provas complementares às já trazidas aos autos.   

9. Encerrada a fase instrutória, apresentar, no prazo determinado pelo Juiz, alegações ou razões finais, que poderão ser a favor da nulidade, se dela estivar convencido.

10. Tomar conhecimento das alegações ou razões finais das partes e a elas replicar, no prazo determinado pelo Juiz.

11. Apresentar tréplica, no prazo determinado pelo Juiz, se uma ou ambas as partes tiverem apresentado réplica.

12. Receber exemplar da sentença proferida na causa.

13. Apresentar, se entender cabível, apelação da sentença recebida (ou querela de nulidade, se for o caso).

14. Se foi por ele encaminhada apelação ou querela de nulidade, apresentar, no prazo de um mês, perante o Tribunal  a que a apelação foi dirigida, as razões da apelação (ou da querela de nulidade).

III. NO CASO DE PROCESSO MAIS BREVE:

15.  Apresentar, no máximo até três dias antes da sessão de instrução, os pontos sobre os quais deseja que sejam inquiridas as partes e as testemunhas.

16. Fazer-se presente à sessão de instrução.

17. Apresentar, em até 15 dias após a data da sessão, sua manifestação a favor do vínculo ou, se  for o caso, a favor da declaração de nulidade.

18. Receber exemplar da sentença proferida na causa pelo Bispo.

19. Apelar, se for o caso, da sentença proferida pelo Bispo, ao Metropolitano (ou à Rota Romana); se a sentença tiver sido do Metropolitano a apelação é dirigida a outra autoridade (Cân. 1687, § 3).  

IV. NO CASO DE PROCESSO DOCUMENTAL:

1. ser, como as partes, citado.

2. apelar à segunda instância caso prudentemente considerar que os vícios ou a falta de dispensa de impedimento não sejam certos.

V. NO TRIBUNAL DE 2ª INSTÂNCIA:

1. Apresentar, no prazo que o Tribunal estabelecer, suas observações sobre a apelação.

2. Caso o Tribunal admita considerar a nulidade sob novo fundamento, atuar como na instância original.t


* Susana Villas-Bôas Vieira é Advogada credenciada perante o Tribunal Interdiocesano de Porto Alegre. É Procuradora do Estado do Rio Grande do Sul (aposentada).

[1] BENEDICTUS XIV, Bulla “Dei Miseratione” (3 Nov., 1741), in Bullar. Magn., XVI, 48 sq. Acessível na Web através de: https://archive.org/details/CICF-Gasparri/mode/2up

[2] Instructio edita a S. Congregatione Concilii die 22 august. 1840, Pro Confectione Processus in Causis Matrimonialibus. ASS 1 (1865-1866) p. 439-444. Texto acessível na Web em:

[3] Sacra Congregatio Sancti Officii, Instructio Quemadmodum matrimonii. Ad Patriarchas, Archiepiscopos, Episcopos Rituum Orientaliuam in causis matrimonialibus adhibenda, 20 iunii 1881, in Codicis Iuris Canonici Fontes.    Acessível na Web através de: https://archive.org/details/CICF-Gasparri/mode/2up, IV, n. 1076, 395-411.

[4] Del Amo,

[5] CIC 1917, Cân. 1996.

[6] AAS 86, 1994, 508-540.  Acessível na Web através de: https://core.ac.uk/download/pdf/50599731.pdf

[7]  Lettere Apostoliche motu proprio date Antiqua ordinatione  in AAS (100) 2008, p. 513-538. Texto acessível na Web em:  http://www.vatican.va/content/benedict-xvi/la/apost_letters/documents/hf_ben-xvi_apl_20080621_antiqua-ordinatione.html

[8] Texto em português em: http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2013/november/documents/papa-francesco_20131108_plenaria-segnatura-apostolica.html

[9] Texto em português em: 

http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/intrptxt/documents/rc_pc_intrptxt_doc_20050125_dignitas-connubii_po.html

[10] Texto em português em:

http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/intrptxt/documents/rc_pc_intrptxt_doc_20050125_dignitas-connubii_po.html

[11] O termo utilizado no original latino do Código é animadversiones, que significa observações, considerações, advertências…  Cf. SARAIVA, F. R., Novissimo Diccionario Latino-Portuguez, H. Garnier, Livreiro-Editor, 7ª. ed., Paris-Rio, 1910, p. 78.        

Os personagens no processo canônico de declaração de nulidade de matrimônio e seus papéis (esquema para um estudo)

NOTA PRELIMINAR

No 4º Encontro Nacional de Juízes e outros Servidores de Tribunais Eclesiásticos do Brasil ficou o Tribunal Eclesiástico Regional de Porto Alegre incumbido de apresentar, na reunião seguinte, um trabalho sobre as diversas pessoas que intervêm no processo de declaração de nulidade de matrimônio e sobre as funções que em tal processo têm a desempenhar.

Deveria ser algo essencialmente prático, não uma análise crítica.

A tarefa me foi confiada pelo Oficial do TER de Porto Alegre e concretizou-se em um esquema ou roteiro para estudo, apresentado no 5º Encontro, realizado na Arquidiocese do Santíssimo Salvador, na Bahia, na última semana de julho de 1988.

O texto que segue é uma segunda revisão daquele Esquema, já incorporadas observações e contribuições surgidas quando de sua apresentação e alguns aportes posteriores.

Não inclui as alterações eventualmente resultantes de Normas da Dignitas connubii nem do Motu Proprio Mitis Iudex Dominus Iesus.

SUMÁRIO:

1. Os Juízes:

            – O Vigário-Judicial ou Oficial ou Provisor e seu Vice ou Adjunto

            – O Colegiado

            – O Presidente do Colegiado

            – O Relator no Colegiado

            – Os Membros do Colegiado

            – O Juiz singular

2. Os Auditores

3. Os Assessores

4. Os Promotores de Justiça

5. Os Defensores do Vínculo

6. Os Notários

7. Os Oficiais de Justiça

8. As Partes

9. As Testemunhas

10. Os Peritos

11. Os Intérpretes e Tradutores

12. Os Procuradores e Advogados


1. OS JUÍZES

«Homines ad iudicem confugiunt sicut ad quamdam iustitiam animatam».[1]

1.1 – Qualidades:[2]

            1. ciência da lei que vai aplicar;

            2. ciência psicológica, para julgar os atos humanos;

            3. ciência experimental, ou conhecimento dos fatos, que se adquire com a prática forense, a observação e a dedução lógica;

            4. senso de eqüidade e um instinto certeiro para decidir, em cada caso, a aplicação da norma jurídica ao caso concreto que se apresenta.

1.2 – Requisitos:

            1. Sacerdócio para o Vigário Judicial e Adjuntos (1420, § 4);

            2. Diaconato para os demais (1421, § 1);

            3. Batismo para completar um Colegiado (1421, § 2);

            4. Boa fama (1421, § 3; 1420, § 4);

            5. Idade mínima de 30 anos para os Vigários-Judiciais e Adjuntos (1420, § 4);

            6. Licenciatura (Mestrado) em Direito Canônico (1421, § 3; 1420; § 4);

1.3 – Nomeação:

            1. compete ao Bispo Diocesano (1420,1421);

            2. compete ao Bispo da sede do Tribunal, após obtido o consentimento da maioria da Comissão Episcopal Regional, no caso dos Tribunais Regionais do Brasil (Normas de 1974, art. 5º, § 3º, -a -);

1.4 – Substituição:

              1. obrigatória em casos de suspeição ou impedimento (1447/1451);   2. possível por justa e gravíssima causa, porém inconveniente em razão dos princípios de imediação e de oralidade; respeitar o prin­cípio da identidade do Juiz (1425, § 5);

1.5 – Obrigações gerais:

            1. dar-se por impedido se teve outra atuação na causa (1447);

            2. dar-se por suspeito nas causas em que tenha interesse por parentesco, amizade, aversão, etc. (1448, § 1);

3. agir com celeridade e de modo reto e fiel (1453, 1454);        

            4. guardar segredo quando a revelação de certos dados possa prejudicar à Justiça ou a pessoas (1455);

            5. não aceitar propinas ou regalos (1456);

            6. não recusar-se nem arrogar-se competência, sem funda­mento (1457, § 1);

1.6 – Funções:

            Julgar; . . . é o condutor do processo na busca da Justiça.

1.6.1 – Do Vigário-Judicial:

            1. determinar as medidas para auxiliar outro Tribu­nal (1418);

            2. distribuir as causas entre os Colegiados pré­-constituídos (1425, § 3);[3]

            3. decidir sobre a recusa de Juiz por impedimento (1449, § 3);

            4. presidir aos Colegiados, se possível (1426, § 2).

1.6.2 – Do Presidente do Colegiado:

            1. designar, no Colegiado, o Relator (1429);

            2. tentar convencer os cônjuges a convalidar, se for o caso, o matrimônio, e a restabelecer a vida conjugal (1676; 1446, § 2);

            3. aceitar, ou não, a demanda (1505; 1507, § 1);

            4. fazer citar as partes, se não preferir confiar essa função ao Relator (1677, § 1);

            5. presidir à audiência para a formulação dos limi­tes da demanda, se requerida (se não preferir confiar essa função ao Relator) (1677, § 2);

            6. fixar a fórmula delimitativa da demanda (se não preferir confiar essa função ao Relator) (1677, § 2);

            7. ordenar a instrução da causa (salvo se confiar essa decisão ao Relator), após o prazo de 10 dias para recurso contra a for­mulação dos limites da demanda, ou após decidido o recurso (1677, § 4; 1513, § 3); .

            8. concluída a instrução, marcar a reunião do Cole­giado para deliberação com vistas à sentença e presidir a essa reunião (1609);

            9. promover o encaminhamento à instância seguin­te, para o reexame necessário, do processo no qual se haja concluído, pela primeira vez, pela nulidade do matrimônio, exceto se se tratar de processo documental (1681; 1687);

            10. decidir sobre a recusa de Promotor de Justiça, Defensor do Vínculo ou outro servidor do Tribunal (1449, § 4);

            11. escolher Auditor, se for o caso (1428, § 1);

            12. decidir sobre o pedido de patrocínio gratuito, antes da litiscontestatio, se requerido com a inicial (1464).

1.6.3 – Do Relator:

               1. realizar as funções acima indicadas sob nos. 4 a 7, se o Presidente do Colegiado lhas confiar;

               2. conduzir toda a fase instrutória do processo, inclusive interrogatório de partes e testemunhas, perícia, etc.;

               3. ler em primeiro lugar seu voto (fundamentos de fato e de direito e conclusões), na sessão de julgamento (1429; 1609, § 3);

               4. redigir a sentença colegial (1429; 1610, § 2);

               5. provocar reunião do Colegiado se na instrução sur­gir dúvida muito provável de não-consumação do matrimônio (1681).

1.6.4 – Do Colegiado:

               1. decidir, em grau de recurso, sobre a rejeição do Iibelo (1505, § 4);

               2. após ouvir, em reunião, os votos de cada um de seus membros, discutir a causa e chegar à sentença, podendo sobrestar o julgamento para melhor ponderação ou para diligências (1609,1610);

               3. na sentença, observar as disposições sobre o seu conteúdo e forma (1611, 1612, 1689), especialmente se houve perícia (1579);

               4. resolver sobre os embargos à sentença (1616).

1.6.5 – Dos Membros do Colegiado:

            – trazer ao Colegiado o seu voto (fundamentos de fato e de direito e conclusões), baseado no estudo da causa realizado após encerrada a fase instrutória, podendo propor diligências e, se vencido, exigir que suas conclusões se trans­mitam ao Tribunal Superior (1609, §§ 4 e 5).

1.6.6 – Do Juiz singular:

            1. caso ocorra lhe ser confiada, excepcionalmente (1425, § 1), causa de nulidade de matrimônio em procedimento ordinário, cumular, no que couber, as atribuições supra, valendo-se de um Assessor e de um Auditor, quando possível;

            2. realizar o processo chamado documental (1686) em primeira instância; em segunda instância se houve apelação (1688), caso em que confirma a nulidade ou devolve à primeira para que a causa receba tramitação ordinária.

2. OS AUDITORES

            1. sua função não é a de Juiz (para julgar), mas desempenham as tarefas de Juiz na fase instrutória e podem ser escolhidos entre os Juízes (1428, § 1);

2. podem também ser escolhidas outras pessoas, dentre as aprova­das pelo Bispo (no caso dos TER, pela Comissão Episcopal Regional – Normas de 1974, art. 5º, § 3º, -a- ), o qual deve considerar seus bons costumes, prudência e doutrina (1428, § 2);

            3. a escolha compete ou ao Presidente do Colegiado ou ao Juiz singular (1428, § 1);

            4. ao desempenharem sua função na fase instrutória, cabe-lhes provisoriamente decidir quais provas se colherão e de que modo, a não ser que essa faculdade Ihes tenha sido tolhida por ordem do Juiz (1428, § 3);

            5. estão proibidos de aceitar propinas ou regalos (1456);

            6. devem agir de modo reto e fiel e guardar segredo quando a revelação de dados possa prejudicar à Justiça ou às partes (1454, 1455).

3. OS ASSESSORES

1. somente cabem quando a causa, ordinária ou excepcional­mente, esteja confiada a Juiz singular (1424);

2. não mais que dois (1424);

3. sua função é apenas consuItiva, de conselheiro (1424);

4. podem ser recrutados para apenas uma parte ou aspecto da causa, e tanto para matéria de fato como para matéria jurídica;

5. estão sujeitos às regras sobre impedimento e suspeição (1447, 1448);

6. estão proibidos de aceitar propinas ou regalos (1456);

7. devem agir de modo reto e fiel e guardar segredo quando a revelação de dados possa prejudicar à Justiça ou às partes (1454, 1455) .

4. OS PROMOTORES DE JUSTIÇA

4.1 – Introdução:

A figura do Procurador do Poder Público parece ter come­çado a surgir no séc. XII, na França, tanto na área estatal como na eclesiástica. No séc. XVII é uma figura generalizada no âmbito esta­tal, mas mais como Procurador do Rei. Só aos poucos se vão distin­guindo as funções (e as pessoas) de Procurador do Estado e de Pro­curador ou Promotor de Justiça, e analogamente na área eclesiástica.

O costume de existir um personagem incumbido pelo Bispo de procurar Justiça já existia generalizadamente nas Cúrias quando em 11 de junho de 1880 um Decreto da Sagrada Congregação dos Bispos e Regulares determinou a sua existência em todas as Igrejas Particulares.

Seu âmbito funcional é amplo: fiscal da lei; zelador da reta administração da Justiça; zelador do bem público; curador do «bem das almas»; protetor dos débeis; curador dos interesses das pessoas jurídicas.

4.2 – Nomeação:

1. a nomeação compete ao Bispo (no caso dos TER, após aprovação da Comissão Episcopal Regional – Normas de 1974, art. 5º, § 3º, -a-), devendo recair em fiéis de boa fama, pelo menos licenciados em Direito Canônico e de comprovada prudência e zelo pela Justiça (1453);

          2. podem ser nomeados genericamente ou para cada causa, e removidos por justo motivo (1436);

3. devem agir de modo reto e fiel e guardar segredo quando a revelação de dados possa prejudicar à Justiça ou às partes (1454, 1455)

          4. é função incompatível, na mesma causa, com a de Defen­sor do Vínculo (1436);

          5. possibilidade de uma Promotoria de Justiça.

4.3 – Funções:

4.3.1 – A função geral é velar pelo bem público.

4.3.2 – Funções específicas:

         1. intervir nas causas expressamente indicadas em lei, naquelas em que a intervenção seja evidentemente necessária pela natureza do assunto e nas que o Bispo entenda que afetam o bem público (1431) (enquadram-se aí os casos de recurso contra a rejei­ção do libelo);

2. ingressar com a ação de nulidade sempre que a nulidade do matrimônio se divulgou e não é possível ou conveniente convalidá-Io (1674, nº 2º);

3. equipara-se às partes para efeito de ser ouvido ou requerer, quando intervém na causa (1434, 1678);

4. tem o direito de propor ao Juiz (ou Auditor) questões a serem formuladas às partes e às testemunhas, por escrito ou verbalmente, com antecedência ou na audiência (1533, 1561).

5. OS DEFENSORES DO VÍNCULO

5.1 – Introdução:

Como função específica, distinta da de Promotor de Justiça (até aí era costumeiramente cumulada), foi criada em 1741. Embora alguns autores os considerem parte do Ministério Público, ao menos stricto sensu não o são: constituem figura irredutível às outras categorias.

5.2 – Nomeação:

1. a nomeação compete ao Bispo (no caso dos TER, após aprovação da Comissão Episcopal Regional – Normas de 1974, art. 5º, § 3º, -a-), devendo recair em fiéis de boa fama, pelo menos licenciados em Direito Canônico e de comprovada prudência e zelo pela Justiça (1453);

          2. podem ser nomeados genericamente ou para cada causa, e removidos por justa causa (1436);

3. devem agir de modo reto e fiel e guardar segredo quando a revelação de dados possa prejudicar à Justiça ou às partes (1454, 1455) ;

          4. é função incompatível, na mesma causa, com a de Promo­tor de Justiça (1436);

          5. possibilidade de uma Defensoria do Vínculo.

5.3 – Funções:

5.3.1 – A função geral é apresentar o que for razoável em favor da validade do matrimônio (1432).

5.3.2 – Funções específicas:

              1. equipara-se às partes para efeito de ser ouvido ou requerer;

              2. deve apelar à segunda instância se entende não serem certos os fundamentos de processo documental (1678, § 1);

              3. deve ter vista dos autos e manifestar-se na se­gunda instância (1682, § 2);

              4. tem o direito de propor ao Juiz (ou Auditor) questões a serem formuladas às partes e às testemunhas, por escrito ou verbalmente, com antecedência ou na audiência (1533, 1561) (não se trata de dever, como no CIC 1917).

6. OS NOTÁRIOS

6.1 – Nomeação:

1. são de escolha do Bispo (no caso dos TER não consta a exigência de consentimento da Comissão Episcopal Regional ­ – Normas de 1974, art. 5º, §§ 1º e 3º) e em regra serão específicos para o Tribunal (483, § 1); devem ser pessoas de boa fama e acima de qualquer suspeita; nas causas em que possa estar em jogo a boa fama de um sacerdote, deve o notário ser um sacerdote (483, § 2);

2. são demissíveis ad nutum pelo Bispo, mas não pelo Administrador Diocesano (485); no caso dos TER, sede vacante, pelo substituto do Bispo da sede como Supervisor (Normas de 1974, art. 5º, § 4º);

3. estão sujeitos a recusa por suspeição (1448, 1449, § 4);

4. devem agir de modo reto e fiel e guardar segredo quando  a revelação de dados possa prejudicar à Justiça ou às partes (1454, 1455);

5. possibilidade e conveniência de um Cartório Judicial.

6.2 – Função:

6.2.1 – sua função genérica é a de organizadores materiais do processo (autos ou dossier); sua intervenção é indispensável; o que redigem tem fé pública (1437);

6.2.2 – Funções específicas:

1. registro do ingresso das causas, para assegurar ordem de tratamento (1458);

2. registro do andamento do processo e de com quem estão os autos, para correta informação e localização e para controle dos prazos e conseqüente impulso;

3. redação dos atos processuais, mediante indicação, ditado ou rascunho do Juiz ou Auditor (1472, § 1);

4. incorporação das folhas aos autos, com numera­ção e autenticação (1472, § 2);

5. dar fé de que as partes e testemunhas, que não puderam ou não quiseram subscrever peças do processo, delas tomaram conhecimento (1463);

6. autenticar cópias de autos a serem remetidos a outro Tribunal (1474);

7. fornecer cópias de peças processuais, a interessa­dos, mas só com ordem do Juiz (1475, § 2);

8. devolver, aos particulares a quem pertençam, os originais de documentos trazidos ao processo, uma vez terminado este, conservando porém cópia que autenticarão (1475, § 1);

9. reduzir a escrito a petição inicial do demandante, se o Juiz admitir que se faça oralmente (1503);

10. certificar a presença das partes perante o Juiz, se comparecerem para tratar da causa, dispensando a citação (1507, § 3);

11. realizar pessoalmente ou encaminhar citações, notificações e intimações, através do Correio (ou de outro modo seguro), certificando nos autos a sua ocorrência e o modo pelo qual foi dada ciência (1509);

12. reduzir a escrito as respostas das partes e das teste­munhas (e dos peritos, se for o caso), quando interrogadas, no momento da audiência ou mais tarde se foram gravadas, bem como os demais fatos relevantes do interrogatório, fazendo o depoente ouvir o que foi redigido (ou gravado), para que possa corrigir, supri­mir, acrescentar ou modificar, colhendo as assinaturas dos presentes e apondo a sua (1567/1569);

13. reduzir a escrito a ocorrência e o mais que inte­ressar em uma inspeção ou reconhecimento judicial (1583);

14. oportunizar aos advogados, a qualquer momento, o exame dos autos, mesmo antes de sua publicação, e, a partir desta, também às partes; aos advogados, fornecer cópia, se pedida, salvo determinação de segredo (pelo Juiz) em situações excepciona­líssimas (1598, § 1; 1678, § 1, nº 2º);

15. lavrar a ata dos assuntos discutidos e das conclusões do debate oral após a conclusão da causa, se ocorreu e se o Juiz mandar ou consentir a pedido de parte (1605);

16. subscrever as sentenças (1612, § 4);

17. entregar ou remeter cópia do texto integral da sentença às partes ou a seus procuradores, publicando, assim, dita sentença (1615);

18. tomar por termo a apelação, se for oral (1630, § 2).

7. OS OFICIAIS DE JUSTIÇA

1. podem existir para realizar pessoalmente intimações, notificações ou citações e eventualmente outras medidas (ex.: buscar documentos requisitados pelo Juiz);

2. em geral essas medidas se realizam através do Correio (1509) ou são concretizadas pelo Notário;

3. estariam sujeitos às regras gerais sobre os servidores dos Tribunais (1454; 1455; 1456).

8. AS PARTES

8.1 – Quem pode ser:

1. serão sempre os supostos cônjuges, quer um deles im­pugne a validade, quer o Promotor de Justiça, que só pode (e deve) fazê-Io quando a nulidade se divulgou e não é possível ou conveniente convalidar o matrimônio; nesse caso os cônjuges são os demandados e o Promotor é parte stricto sensu (1674);

2. se o Promotor de Justiça se nega a impugnar o matrimônio quando lhe caberia, o interessado pode recorrer administrativa­mente ao Ordinário e à Sé Apostólica de Roma;

3. equiparam-se às partes, para vários efeitos, o Defensor do Vínculo e o Promotor de Justiça, este quando intervém sem ser parte (1434; 1678, § 1).

8.2 – Direitos e deveres:

              1. têm o direito de recusar Juízes e outros servidores que atuam no processo, por certas circunstâncias (1448/1451);

              2. podem ser obrigadas a guardar segredo sobre certos fatos trazidos ao processo (1455, § 3);

              3. devem abster-se de buscar corromper ou agradar aos Juízes e servidores (1456);

              4. sendo demandado, tem obrigação de responder à de­manda (1476);

              5. podem levantar exceções em razão de vícios que poderiam conduzir à nulidade da sentença (1459);

              6. podem reconvir, dentro de trinta dias da litiscontestatio (1463);[4]

              7. podem pedir, em conjunto, a prorrogação de prazos peremptórios (1465, § 1) e também dos judiciais e convencionais, e concordar com sua abreviação (1465, § 2);

              8. têm direito a ser ouvidas se o Juiz pretender prorrogar prazos judiciais ou convencionais (1465, § 2);

              9. têm direito a ser ouvidas se o Juiz pretender colher provas fora de sua jurisdição (1469, § 2);

              10. têm direito de recorrer em 15 dias ao Tribunal de Apela­ção se o Juiz se declarar incompetente (1460, § 3);

              11. têm obrigação de comparecer pessoalmente em Juízo, se a lei ou o Juiz o determinarem (1477);

              12. não tendo uso de razão, agem em Juízo por seu curador, que pode ser designado pelo Juiz em certos casos (1478, §§ 1 e 2; 1479);

              13. podem demandar ou contestar pessoalmente, salvo se Juiz considerar necessário o trabalho de procurador ou advogado; mas podem sempre designar procurador e advogado (1481) e destituí-lo;

              14. sendo autor, pode ingressar com a demanda mediante petição escrita, excepcionalmente oral (1502, 1503), observados os requisitos da inicial (1504);

              15. se a inicial foi rejeitada por defeito sanável, pode apre­sentar nova, corrigida (ou complementar a anterior) (1505, § 3);

              16. se a inicial foi rejeitada, pode recorrer ao Colegiado, em dez dias (1505, § 4);

              17. se em um mês o Presidente do Colegiado não deu decisão sobre a inicial, instar a que o faça, resultando aceitação automática se não se manifestar em dez dias do recebimento da insistência (1506); .

              18. sendo demandado, tem o direito de, com a citação, receber cópia da inicial, salvo motivos graves pelos quais o Juiz resolva só dar a conhecê-Ia quando comparecer para depoimento (1508, § 2);

             19. hão de participar da determinação dos limites da contro­vérsia (dubium), pedindo reconsideração em dez dias, se não estive­rem de acordo com os limites fixados pelo Juiz (1513; 1677);

20. têm o direito de pedir modificação dos limites da contro­vérsia e de manifestar-se sobre modificação solicitada por outra parte (1514);

             21. devem propor ou realizar as provas, na fase instrutória (1516; 1677, § 4);

             22. podem renunciar à instância (1524);

             23. podem insistir na admissão de prova rejeitada pelo Juiz (1527);

             24. podem ser ouvidas por Auditor leigo ou mediante decla­ração perante notário público ou outro modo legítimo (1528);

25. devem comparecer pessoalmente para depor, se convo­cadas, responder ao que for perguntado e dizer a verdade, prestando, em regra, juramento de dizer ou de haver dito a verdade (1530/1533);

26. podem instar em que a outra parte seja chamada a depor e apresentar perguntas a serem feitas a ela, quer com antecedência, por escrito, quer por escrito ou oralmente, no decurso da audiência, neste caso através de seu advogado (1530, 1553);

             27. têm direito de examinar os documentos trazidos a Juízo por outra parte (1544);

             28. têm obrigação (com certas exceções) de exibir documen­tos comuns (à outra parte) se o determinar o Juiz (1545/1546);

29. podem apresentar rol de testemunhas a serem ouvidas pelo Juiz e nesse caso devem apresentar os pontos sobre os quais desejam sejam interrogadas, sob pena de se considerarem desistentes da sua audita (1552);

            30. podem desistir de testemunha arrolada e insistir em que seja ouvida a arrolada por outrem que, depois, dela desistiu (1551);

31. podem impugnar a ouvida de testemunha e para isso têm direito a conhecimento prévio do rol apresentado pela outra parte (1554/1555);

            32. não podem assistir pessoalmente ao depoimento das testemunhas e das outras partes (1559; 1678, § 2);

            33. podem indicar peritos e têm direito a ser ouvidas sobre o indicado pela outra parte ou que o Juiz pretenda nomear (1575);

            34. podem recusar peritos (1576);

            35. podem formular quesitos a serem respondidos pelos peri­tos, se houver perícia (1577, § 2);

            36. podem, com aprovação do Juiz, designar peritos privados  (1581, § 1);

            37. têm direito a se manifestar, se o Juiz quiser fazer inspeção ou reconhecimento (1582);

            38. são liberadas do ônus da prova, se têm a seu favor presun­ção legal (1585);          

            39. têm direito a propor uma causa incidental, e a ser ouvidas antes da decisão do Juiz sobre a mesma, bem como a provocar uma nova decisão do mesmo Juiz, revogando ou alterando a anterior, e direito a ser, nesse caso, novamente ouvidas antes da segunda decisão (1587/1591);

40. se demandado, incorre em ausência, a ser declarada pelo Juiz, se não atende à citação nem dá escusa razoável ou não responde ao que for perguntado com vista à fixação dos limites da controvérsia (1592);

           41. mesmo declarado ausente, pode vir a Juízo e ingressar na causa no estado em que ela se encontra (1593);

42. se demandante, e chamado a comparecer para a definição do âmbito da controvérsia por uma segunda vez, presume-se que renunciou à instância (1594);

43. se ausente (quer autor quer demandado) sem demonstrar justo impedimento, deve pagar as custas judiciais ocasionadas pela ausência e indenizar a outra parte (1595);

44. têm direito a examinar os autos ao término da coleta da prova (salvo algum ato, por determinação do Juiz, mas garantido o direito de defesa) (1598, § 1);

           45. podem apresentar, então, novas provas (1598, § 2);

           46. têm direito a ser ouvidas sobre o intuito de reinquirir testemunhas (1600, § 1, nº 2º);

47. têm direito de, concluída a fase probatória, apresentar suas defesas e alegações, conhecer as das outras partes e replicar a estas (em regra uma só vez), resguardada ao Promotor de Justiça e ao Defensor do Vínculo uma última réplica (1601/1603);

           48. é-Ihes vedado fornecer aos Juízes informações que fiquem fora dos autos (1604, § 1);     

49. podem participar, por ordem do Juiz, de um debate oral antes do julgamento, perante o Colegiado (1604, § 2), a ser reduzido a escrito por Notário se o Juiz o mandar; podem pedir que o Juiz mande reduzir a escrito (1605);

           50. sujeitam-se a ver desconsideradas suas alegações finais se não as entregaram no prazo (1606);

51. podem pedir a correção da sentença e têm direito a ser ouvidas se uma delas pede tal correção ou o Juiz pretende fazê-Ia ex officio (1606, § 1);

52. podem ingressar com querela de nulidade nos casos ex­pressos em lei, com direito a exigir que seja examinada por outro Juiz (1620/1626);

53. podem apelar para outro Tribunal (1628), salvo exceções expressas (1629), dentro de quinze dias da publicação da sentença, por escrito ou oralmente, perante o Tribunal que editou a sentença apelada (1630);

54. apelando, devem prosseguir a apelação no Tribunal ad quod em trinta dias pedindo que este corrija a sentença impugnada, acompanhando cópia da mesma e as razões da apelação, sob pena de deserção (1634/1635); em caso de não obter cópia a tempo, devem notificar o Juízo superior (1634, § 2);

55. podem renunciar à apelação (1636);

56. podem pedir a qualquer momento ao Tribunal de Ape­lação o reexame da causa decidida já duas vezes no mesmo sentido, aduzindo novas e graves provas e razões, sem efeito suspensivo (1644);

57. devem pagar as despesas processuais e os honorários dos procuradores, advogados, peritos e intérpretes, bem como indenizar as testemunhas, salvo o caso de patrocínio gratuito ou com redução de despesas, como for determinado pelo Bispo responsável pelo Tribunal (1649);

58. podem apresentar alegações ou observações ao Tribunal de Apelação ao qual os autos hajam sido remetidos em reexame necessário (1682);

59. podem pedir que o Tribunal de Apelação examine a nuli­dade do matrimônio por outra causa (1683), mas então o Tribunal, se a admitir, julgará como em primeira instância;

60. podem contrair, sendo os supostos cônjuges, novo matri­mônio tão-logo notificadas da segunda decisão pela nulidade (salvo vedação inclusa na sentença ou decreto, ou proibição do Ordinário local), independentemente de qualquer prazo (1684);

           61. têm direito ao processo documental (sumário) nos termos do Cân. 1686;

           62. têm direito a apelar da decisão dada em processo do­cumental (a qual não está sujeita a reexame necessário) (1687);

63. têm direito a ser ouvidas em caso de apelação do Defen­sor do Vínculo contra decisão em processo documental (1687, § 1; 1688);

9. AS TESTEMUNHAS

9.1 – Quem vai testemunhar:

1. qualquer pessoa (1549) pode ser chamada a declarar ao Juiz ou Auditor a verdade (1548, § 1; 1562, § 1) sobre fatos de que tenha ciência;

2. algumas pessoas, todavia, são incapazes para testemunhar, como os menores de 14 anos e os débeis mentais, que entretanto poderão, excepcionalmente, ser ouvidos (1550, § 1), e o Juiz e os servidores do Tribunal e outros envolvidos na causa (1550, § 2, nº 1º) e os sacerdotes, no que toca ao Sacramento da Penitência;

3. outras pessoas estão isentas de testemunhar, como os ligados por segredo profissional (1548, § 2, nº 1º) e os que temam conseqüências desagradáveis para si ou seus familiares (1548, § 2, nº 2º);

4. não devem ser em número excessivo, as testemunhas (1553);

5. podem ser excluídas a pedido de parte (1554/1555).

9.2 – Direitos e deveres:

1. chamadas a depor (1556) devem comparecer ou comu­nicar o motivo da ausência (1557); parece nada obstar que, uma vez arroladas, compare­çam espontaneamente;

2. são ouvidas na sede do Tribunal, salvo que tenham pri­vilégio em razão da função ou outra causa ponderável (1558);

3. podem ser acareadas com outras ou com parte (1560, § 2);

4. em princípio prestam juramento de que irão dizer a verdade, ou pelo menos de que disseram a verdade; mas serão ouvidas sem juramento se não o quiserem prestar (1562, § 2);

5. o testemunho é oral; só sobre cálculos ou contas podem consultar anotações (1566);

6. têm direito de corrigir, suprimir, acrescentar ou modifi­car seu depoimento, ao ouvi-Io ao término do interrogatório (1569, § 1);

7. devem assinar a transcrição de seu depoimento (1569, § 2);

8. podem ser reinquiridas (1570);

9. têm direito ao reembolso do que gastarem e do que deixarem de ganhar por terem ido prestar o depoimento, de acordo com o que fixar o Juiz (1571; 1649, § 1, nº 2º);

            10. podem ser ouvidas por Auditor leigo ou mediante declaração perante notário público ou outro modo legítimo (1528);

            11. pode o Juiz tomar testemunho da credibilidade das partes (1679).  ­

10. OS PERITOS

10.1 – Quem vai ser:

             1. especialistas em uma arte, técnica ou ciência, que podem ser recrutados quando, por prescrição do direito ou do Juiz, seu estudo e parecer sejam requeridos, com base na respectiva arte, técnica ou ciência, para comprovar fato ou determinar a verdadeira natureza de algo (1574);

             2. são nomeados pelo Juiz por proposta das partes, ou ouvidas as mesmas (1575);

             3. pode o Juiz aceitar perícia já realizada por outros (1575);

             4. podem ser recusados, como as testemunhas (1576).

10.2 – Direitos e deveres:

             1. devem responder aos quesitos formulados pelo Juiz por sua iniciativa ou a pedido das partes (1577, § 1);

             2. têm direito a conhecer os autos e outros documentos e elementos que possam ser necessários (1577, § 2);

3. no prazo fixado pelo Juiz após ouví-Ios (1577, § 3), devem apresentar cada um o seu laudo, a não ser que o Juiz queira laudo único, no qual registrarão as divergências (1578, § 1); o laudo deve ser fundamentado e com indicação das fontes dos dados e conclusões (1578, § 2);

4. podem ser questionados sobre o laudo (1578, § 3);

5. têm direito a honorários fixados pelo Juiz (1580, 1649, § 1, nº 2º);

6. podem ser contratados privadamente, com autori­zação do Juiz, e nesse caso têm direito a conhecer os autos, na me­dida do necessário, e a assistir à perícia oficial e a apresentar o seu próprio laudo (1581);

7. se não for possível, ou pelo menos for muito difícil realizar-se uma perícia, pode o técnico ser chamado para emitir um parecer sobre a situação apenas como configurada nos autos; nesse caso deve ser evitado o uso da expressão «perícia», porque uma verdadeira perícia exige atuação direta do perito sobre a pessoa (ou a coisa). 

11. OS INTÉRPRETES E TRADUTORES

Quando são necessários:

1. deve recorrer-se a intérprete quando o depoente (parte, ou testemunha, ou perito) empregar língua não conhecida pelo Juiz ou pelas partes (1471), mas nesse caso o termo do depoimento deve ser escrito nas duas línguas (ibidem);

2. também quando o depoente for surdo e/ou mudo, mas nesse caso o Juiz pode preferir (perguntas e) respostas escritas (1471, in fine);

3. caso o Tribunal. de Apelação não conheça certa Iíngua que apareça nos autos do Tribunal inferior, devem as peças correspon­dentes ser traduzidas, por esse, para idioma conhecido por aquele, antes da remessa para exame da apelação ou para o reexame necessário (1474, § 2).

12. OS PROCURADORES E ADVOGADOS

12.1 – Quem são, que fazem:

1. o procurador é um curator pro, ou seja, cuida, em favor de seu constituinte, de seus interesses; realiza um patrocínio ativo em favor do mandante; não é um simples curador, que cuida antes que outros nada façam em prejuízo do curatelado;                                                                                   .

2. o advogado é ad vocatus, chamado para ajudar e defen­der o cliente; sua função é consultiva: é um assessor da parte;

3. na praxe ocorre uma conveniente cumulação dessas funções na mesma pessoa; no direito brasileiro a parte só pode atuar em juízo mediante um procurador, que deve forçosamente ter habilitação profissional de advogado; a futura extensão de tal exigência aos Tribunais Eclesiásticos no Brasil, como direito particular, seria bem-vinda para aliviar e acelerar os trabalhos; de modo especial é inconveniente a regra da prevenção entre os procuradores (1482, §§ 1 e 2);

4. o Juiz sempre pode, porém, exigir a constituição de procurador e de advogado (1481, § 1), medida que conviria estender gradativamente a todos os processos, sem esquecer que a redação do libelo ou petição inicial é momento extremamente significativo e pode comprometer irremediavelmente a causa, mesmo se houver intervenção posterior de advogado;

5. o papel do advogado é realmente muito importante; sua intervenção interessa as partes a fim de propor os fatos com aquelas circunstâncias que são necessárias para que a lei Ihes seja aplicável e para alegar oportunamente as leis, ainda que o Juiz possa e deva suprir essas alegações. Desse modo o advogado ajuda também o Juiz, contanto que este acerte em discernir nas defesas dos advo­gados o que há de verdade e o que pode haver de parcialidade ou de visão unilateral da causa.[5]

12.2 – Regras aplicáveis:

1. o procurador só pode ser um, os advogados vários (1482);

2. para ambas as funções é preciso ser maior e de boa fama; o advogado, ademais, deve ser católico (salvo dispensa do Bispo) e doutor ou ao menos perito em Direito Canônico, e ser aprovado pelo Bispo (1483); no caso dos TER, a aprovação a título estável (inserção no Álbum) depende de combinação entre o Bispo Super­visor do Tribunal e os demais membros da Comissão Episcopal Regional (Normas de 1974, art. 5º, § 3º, -b-);

3. para serem admitidos devem apresentar mandato; alguns atos exigem mandato especial (1484; 1485);

4. sua destituição, para produzir efeitos, deve ser comuni­cada aos próprios e, após a litiscontestatio, também ao Juiz e às demais partes (1486, § 1);

5. o direito e o dever de apelar remanescem uma vez pro­ferida a sentença definitiva na causa, salvo determinação em contrá­rio do cliente (1486, § 2);

6. qualquer deles pode ser, por causa grave, excluído de atuar na causa, por decisão do Juiz, agindo este por iniciativa própria ou a requerimento de parte (1487);

7. têm obrigação de fidelidade e dedicação (1489);

8. podem ser punidos se prevaricarem ou subtraírem causas de Tribunal competente para serem julgadas por outro, mais favorável (1488, § 2; 1489);

9. devem, sempre, respeitar as regras da ética profissional;

10. têm direito a honorários, que não podem ser excessi­vos, por seus serviços (1488, § 1), cabendo ao Bispo Supervisor do Tribunal dar normas sobre a matéria (1469, § 1, nº 2º).

12.3 – Assistentes Judiciários e Defensores Públicos:

1. devem, na medida do possível, existir estavelmente junto a cada Tribunal, e com honorários pagos por este, patronos que exerçam função de advogado e/ou procurador, em favor das partes que livremente prefiram seus serviços (1490);

2. as partes devem ser bem esclarecidas, previamente, sobre a livre opção, que podem fazer, entre o Serviço Oficial e o Advogado privado (escolhido dentre os credenciados que figuram no Álbum ou aprovado especificamente para a causa), e também sobre o que deixarão de pagar de custas, caso prefiram o Advogado privado, ao qual pagarão os honorários que contratarem;

3. tratando-se de parte que não possa arcar com as custas processuais, no todo ou em parte, seu Procurador e/ou Advo­gado será um destes, sendo a parte dispensada, no todo ou em parte, da parcela correspondente ao serviço do Advogado e/ou Procurador (cf. 1649, § 1, nº 3º);

4. a função de «Advogado dos Pobres» já à época de São Gregório Magno (final do séc. VI) era um ofício estável, e estava prevista no Cân. 94 do IV Concílio de Cartago;

5. no caso de negativa de patrocínio gratuito cabe recurso administrativo ao Bispo Supervisor do Tribunal.


NOTAS:

[1] Sto. Tomás de Aquino, 11-11, q. 60, citando Aristóteles, in V Ethic., 4.

[2] cf. MORAN & CABREROS DE ANTA. Comentarios al Código de Derecho Canónico – BAC, Madrid, 1964, vol. 3, p. 261.

[3] somente o Bispo (Supervisor do Tribunal) pode  constituir um Colegiado especial para certa causa (1425, § 3, parte final).

[4] Encontra-se, na doutrina, quem afirme que em causa de nulidade de matrimônio não cabe reconvenção, devendo o assunto ser resolvido mediante adequada formulação dos limites da contenda.

[5] MORAN & CABREROS DE ANTA, op. cit., vol. 3, p. 384.



O DIACONATO RESTAURADO NO BRASIL

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Alguns marcos da trajetória

Foi-me pedido que dissesse ou escrevesse alguma coisa sobre mim e sobre “os velhos tempos”, no Brasil, do Diaconato chamado “permanente”, que eu preferiria chamar de estável.

É que sou o sobrevivente dentre os quatro primeiros que, na América Latina, foram ordenados Diáconos sem a pretensão de virem a ser, adiante, ordenados presbíteros e, quiçá, bispos.

Esquecemos, muito frequentemente, que a Igreja nasceu no Oriente, nasceu Oriental, e só mais adiante, com a ida de São Pedro para Roma, e, por outro lado, com a presença do Império Romano no Oriente, veio a firmar-se também no Ocidente. A Igreja é nativamente Oriental, e no Oriente, de modo geral, nunca[1] deixou de ter, a par de bispos e presbíteros, também diáconos, ordenados para serem diáconos, na esteira do relato da instituição destes contido no Livro dos Atos dos Apóstolos. Cabe talvez lembrar que estes primeiros, embora se diga na Escritura que foram destinados ao serviço das mesas, logo adiante se vêem, no mesmo Livro, situações em que eles ensinam e batizam.

Embora se encontre, na Igreja Ocidental, especialmente na Romana, exemplos de diáconos que permaneceram diáconos e assim serviram a seus bispos (veja-se o caso de São Lourenço), mais adiante, por razões que não cabe no momento aqui analisar, surgiu a regra de que não mais se ordenassem diáconos senão aqueles que pretendessem adiante ser ordenados ao sacerdócio, contrariando a tradição das Igrejas Orientais.

Em meados do século passado livros e artigos publicados na Europa movimentaram alguns setores da Igreja do Ocidente no sentido da eliminação daquela regra que só admitia a ordenação ao diaconato de candidatos ao sacerdócio.

De Schamoni, em 1953, é o livro sugestivamente intitulado Pais de Família Ordenados Diáconos.[2] Josef Hornef retomou o assunto de vários artigos, que fora escrevendo sobre o tema, em obra intitulada Kommt der Diakon der fruehen Kirche wieder? publicado em tradução brasileira pela Editora Vozes em 1961[3].  Paul Winninger compareceu com um escrito na coletânea Présence Chrétienne,[4]publicado também separadamente.[5]

No Brasil, cabe mencionar o artigo do Frei Constantino Koser, OFM, publicado em 1959.[6]

Essas publicações, algumas ecoando escritos do século anterior, fizeram surgir muitas outras, notadamente artigos em Revistas, a respeito do tema, de modo que ele inevitavelmente surgiria no 2° Concílio do Vaticano, celebrado a partir de 1962,

O Concílio, provocado basicamente por um grupo de Bispos da região entre o Sudoeste da Alemanha, Bélgica, Luxemburgo e Norte da França (liderados pelo Cardeal Suenens), abordou o tema no documento sobre a Igreja, que em Latim começa com as palavras Lumen gentium, permitindo (n° 29) a restauração do diaconato como grau permanente da hierarquia na Igreja Latina, dependendo de decisão de cada Conferência de Bispos. E, na perspectiva abordada nos escritos antes mencionados, acessível também a homens maduros já casados.

Cabe considerar, para melhor visão dessa fase preparatória às primeiras ordenações, o que escreveram em 1966 os já mencionados Hornef e Winninger.[7]

Muito interessante também o artigo que pode ser encontrado através da Internet em:

https://www.dominicanajournal.org/wp-content/files/old-journal-archive/vol52/no3/dominicanav52n3deacontheparish.pdf

E, em uma obra mais recente (mas não tanto…), também das Éditions du Cerf, intitulada Le Diaconat Permanent.[8]

As Conferências de Bispos, que até então serviam para que os Bispos de um país ou de uma região apenas sintonizassem seus pontos de vista, passaram a ter, a partir do Concílio, poder deliberativo.

Os Bispos do Brasil aproveitavam a sua presença coletiva em Roma, por ocasião das sessões do Concílio, nos anos 1962-1965, para realizar as Assembleias Gerais da CNBB, e, assim, ainda em 1964, diante do estabelecido no n° 29 da Lumen gentium, decidiram que o diaconato seria restaurado no Brasil, como grau permanente da hierarquia, e acessível somente a casados. Tal decisão, quanto se saiba, foi regsitrada em Ata, mas não chegou a ser objeto de um ato formal.

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil buscando, a partir do Concílio, tornar efetiva sua ação, organizou-se em Secretariados Regionais, compreendendo o Episcopado de um ou mais Estados integrantes da República.  Os Bispos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina constituíram, assim, o Regional Sul-3 da CNBB, que veio a ter sede em Porto Alegre.[9]

E os Bispos do Regional Sul-3 resolveram, diante da decisão do Episcopado Brasileiro adotada em Roma, organizar um Curso de Preparação para o Diaconato visando aos candidatos das correspondentes Dioceses.

Esse Curso foi planejado como Curso de Férias, em regime de dedicação total, em cinco etapas, sendo cada uma com 10 a 15 dias (nos meses de janeiro e de julho) e para ser realizado em Porto Alegre. Foi iniciado em janeiro de 1967. A primeira etapa foi na Vila Betânia, uma Casa de Retiros no Bairro Cascata, mas as seguintes não mais foram em Porto Alegre e sim em Viamão, no então Seminário. Os alunos eram 15, provenientes de várias Dioceses do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina; o Diretor do Curso foi o Rev. Luiz Colussi, da Diocese de Caxias do Sul (depois Bispo Diocesano de Lins, SP e de Caçador, SC).

Soube-se, na época, que também em Goiânia e em Salvador da Bahia foram, por essa época, instalados Cursos.

No que me concerne, fui convidado pelo então Bispo-Auxiliar de Porto Alegre, Dom José Ivo Lorscheiter, em carta de 1/1/1967, para fazer o Curso.  E o fiz, ainda que o tenha concluído depois da ordenação.

Cabe mencionar que, havendo ao tempo de aluno da PUC e, logo adiante, de Professor na Faculdade de Direito, vinha eu mantendo, desde o início da década de 1950, bastante atividade no contexto eclesial, especialmente na área da Liturgia; desde 1961 integrava a Comissão de Liturgia, Música e Arte Sacra da Arquidiocese e  atuava na Liturgia na Paróquia de Nossa Senhora do Rosário, em Porto Alegre, onde, aliás, continuei atuando, já como Diácono, até 1996, passando então a servir na Paróquia da Catedral, aliás minha Paróquia territorial desde 1961. Ademais, era professor de Direito Eclesiástico na Faculdade Direito da PUCRS desde 1956, e o fui até 2002. Tinha, assim, parece, um background adequado à ordenação.

Em 1968 deveria realizar-se em Bogotá, Colômbia, o 38° Congresso Eucarístico Internacional e na programação da semana fora previsto um dia para o Sacramento da Ordem. Em Bogotá (Diocese Primaz das Américas) estava sediado o Conselho Episcopal Latino-Americano, organização que congregava as Conferências de Bispos da América Latina, e que, como organismo eclesial, participou da organização do Congresso. Foi o CELAM que, sabedor da existência do Curso em Porto Alegre, indagou se não haveria candidato a diácono que pudesse ser ordenado na celebração integrante do Congresso, que teria a presidência do Papa, então Paulo VI. Sondado, aceitei o convite.

Nesse meio tempo, entretanto, o Papa editara em 18 de junho de 1967, o Motu proprio Sacrum Diaconatus Ordinem, onde ficou esclarecido, entre outras coisas, que a restauração, em cada âmbito territorial, do diaconato como grau estável, deveria ser formalizada em documento a ser submetido à aprovação do Sumo Pontífice.

A decisão do Episcopado Brasileiro, como dito acima, não chegara a constituir um documento formal, que pudesse ser submetido à aprovação da autoridade suprema da Igreja. Estava-se em julho de 1968, o Congresso em Bogotá seria em agosto. Não se sabia de iniciativa da CNBB em providenciar tal documento, de modo que  — a fim de que a situação pudesse ser regularizada —  urgia fazê-lo.  Foi assim que numa gélida noite de julho, no Seminário de Viamão, tratei, juntamente com o Diretor do Curso (Pe. Colussi) de redigir o necessário texto, a fim de ser ainda submetido ao plenário da CNBB (então reunido, como sempre nos meses de julho, no Rio de Janeiro). Na manhã seguinte fui ao Escritório da VARIG, no Centro de Porto Alegre, e sem maior problema um funcionário se dispôs a fazer entregar o texto, no mesmo dia, no local da reunião dos Bispos, a D. Vicente Scherer, então Arcebispo de Porto Alegre. O que foi feito. É bom lembrar que nem se imaginava Internet e a comunicação telefônica era extremamente precária.

O texto que preparamos foi aprovado pela Assembléia, com uma ressalva, feita de resto pelo próprio D. Vicente, que riscou a palavra desde e escreveu mesmo. É que se tinha notícia de que os Bispos, quando tomaram ainda em Roma a decisão de restaurar o diaconato no Brasil teriam decidido que seria somente para casados. O texto que eu escrevera e fora revisado pelo Pe. Colussi procurou manter essa decisão, mas a perspectiva em julho de 1968 foi outra: em vez de “desde que casados” ficou “mesmo que  casados”. 

De retorno do Rio de Janeiro Dom Vicente passou-me o original do texto que eu lhe remetera (com a sua emenda) e também aprovou que eu viesse a ser ordenado, e ordenado por outro Bispo que não ele, eis que estava eu vinculado à Arquidiocese de Porto Alegre, e a ordenação cabia portanto a ele (que, aliás, fora o Pároco da minha infância e adolescência).

Cabe lembrar, ainda, que outro aluno de nosso Curso de Porto Alegre, Vitorio Fontana, da Diocese de Santa Maria, também esteve por aceitar a ordenação em Bogotá, mas, por motivos de que não cheguei a tomar conhecimento, desistiu, sendo mais tarde ordenado em Santa Maria.  

Como era de lei à época, recebi, entre dez e oito dias antes da viagem a Bogotá, as chamadas ordens menores e o subdiaconato.

Os dias que precederam a viagem a Bogotá foram um tanto agitados, na época viajava-se menos pelo mundo…   Por outro lado recebi, em meu pequeno apartamento onde então morava, entre outros, um grupo da RAI (Rádio e Televisão Italiana) que realizou uma entrevista comigo, e o Rev. René Laurentin, sediado em Paris (e que fora Perito no Concílio, onde fiacara amigo de D. Vicente), sendo que este publicou depois uma reportagem no Le Figaro, de Paris, exatamente no dia da ordenação (22 de agosto). Na reportagem não deixou de mencionar o fato de eu ser casado com uma Assistente Social e Luterana…  

Acompanharam-me na viagem a Bogotá minha mãe Emília e minha mulher, Cecy; nossos filhos, então dois, ficaram em São Paulo, com a família de uma irmã da Cecy. Em Bogotá ficamos hospedados em uma Paróquia (Sagrado Coração); seu Pároco era também o Cerimoniário Litúrgico do Congresso…

Só lá em Bogotá fiquei sabendo que seríamos quatro, todos brasileiros, um de Jataí e dois de Salvador, os que iríamos ser ordenados ao diaconato para continuarmos diáconos, isso ao lado de outros 37 que eram candidatos ao sacerdócio. E cerca de 150 diáconos iriam, na mesma celebração, ser ordenados presbíteros.

Fomos, assim, os quatro, os primeiros diáconos estáveis da América Latina, sendo eu, agora, o  único sobrevivente. Antes de nós, na Diocese de Colônia, tinham sido ordenados (abril de 1968) os primeiros da Europa. Em contato com essa Diocese, na época em que iriam transcorrer os 50 anos de nossa ordenação em Bogotá, fui informado de que nenhum daqueles de Colônia continuava em atividade. E, como escrevi acima, também os outros três brasileiros não mais vivem.

Minhas atividades ligadas ao Diaconato não se afastaram das linhas em que vinha tratando de servir à Igreja, conquanto, assim o creio, a partir daí fortalecido pela graça do Sacramento.  Na área do Direito Canônico participei de numerosos Congressos e Encontros, nacionais e internacionais, ligados à área. Sou co-fundador (1986) da Sociedade Brasileira de Canonistas (iniciativa do Pe. Jesus Hortal, S.I., então Professor da UNISINOS e depois Reitor da PUCRJ) e dela fui Presidente por um biênio (1999-2001), sendo também membro da Société Internationale de Droit Canonique et de Legislations Religieuses, com sede em Paris.  E, principalmente na fase inicial da renovação litúrgica consequente ao Concílio, tive signifiativa participação nas tarefas correspondentes, tanto no nível arquidiocesano como no do Regional Sul-3 da CNBB. Participei também com minha mulher, em Roma e no Vaticano, das celebrações dedicadas aos Diáconos no Jubileu 2000.  

Atualmente, estando aposentado como servidor do Estado, em cargo para que fui nomeado, após concurso, em 1964, e também (pelo INSS) como Professor (que fui, por 46 anos) da PUCRS, permaneço como Juiz do Tribunal Eclesiástico de Porto Alegre (desde 1987, tendo atuado como Advogado junto ao Tribunal desde 1974) e atuo na Liturgia na Catedral Metropolitana de Porto Alegre, inclusive na celebração diária da Missa vespertina e na das Vésperas cantadas em dois dias da semana (nestes dias, porém, estou em reclusão domiciliar por motivo da Covid-19…).

Aos que se interessarem por outras informações que me digam respeito posso indicar a busca pelo meu Currículo Lattes: (http://lattes.cnpq.br/5585984543756574)

e o acesso a meu blog (www.liturgiaedireito.wordpress.com).

Aos Colegas a quem cabe o canto do Exsultet na noite da Páscoa posso sugerir que vejam no YouTube a gravação que alguém (não sei quem…) fez e postou há alguns anos atrás: https://www.youtube.com/watch?v=Opdfa80Bw50

Quando da comemoração de 35 anos de minha ordenação preparei com a ajuda de minha filha Ana Cláudia, um grande painel com fotos e reproduções de publicações e documentos, que ficou exposto na Sacristia da Catedral e que depois transformei em uma apresentação do PowerPoint.

Do Curso de Preparação é a foto abaixo, de janeiro de 1967, na Vila Betânia. Na fileira do meio, a partir da esquerda de quem olha, o Pe. Luiz Colussi, Diretor do Curso, Dom Vicente Scherer, Arcebispo de Porto Alegre (que nos foi visitar) e a Irmã Superiora da Casa.

NOTAS:

[1] Em algumas das Igrejas Orientais, possivelmente por influência da Igreja Latina, ocorreu uma certa decadência, a que se contrapôs o 2° Concílio do Vaticano através do documento Orientalium Ecclesiarum:  Para que a antiga disciplina do Sacramento da Ordem vigore novamente nas Igrejas Orientais, deseja este sagrado Concílio que a instituição do diaconado permanente seja restaurada onde caiu em desuso.

[2] SCHAMONI, Wilhelm. Familienvaeter als geweihte Diakone? Paderborn, 1953.

[3] HORNEF, Josef. Voltará o Diácono da Igreja Primitiva? Petrópolis, RJ. Editora Vozes Limitada. 1961

[4] WINNINGER, Paul. Vers un renouveau du diaconat, in: Présence Chrétienne, Paris, 1958.

[5] WINNINGER, Paul. Vers un renouveau du diaconat, Paris, Desclée de Brouwer, 1958, 214 p.

[6] KOSER, OFM, Constantino. Diáconos Profissionais na Igreja do Século XX?  in: Revista Eclesiástica Brasileira, set. 1959. Petrópolis, RJ. Editora Vozes Limitada.

[7] HORNEF, J. et  WINNINGER, P. Chronique de la restauration du diaconat (1945-1965)  in: WINNINGER, Paul et  CONGAR, Yves (eds), Le Diacre dans l’Eglise, Paris. Cerf, 1966, pp. 205-222.

[8] DUMONS, Bruno et MOULINET, Daniel. Le Diaconat Permanent – Relectires et Perspectives. Paris. Cerf. 2007.  

[9] Mais tarde os de Santa Catarina se desligaram do Sul-3 e constituíram o Sul-4.